outubro de 2010

PIXO, LOGO EXISTO

Carol Ferreira

 

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

 

 

 

Experimentação de risco, irreverência juvenil, manifestação artística, vandalismo ou ato de rebeldia? Esses são alguns dos inúmeros questionamentos que perseguem a pixação, uma das mais latentes manifestações da cenografia urbana de São Paulo desde o final da década de 60 (período do boom das revoluções estudantis e operárias na Europa e Estados Unidos).

 

Atualmente e talvez com mais intensidade do que nunca, os pixadores seguem enfrentando riscos para reivindicar uma identidade por meio da ocupação de espaços teoricamente proibidos para deixar uma mensagem ou um registro de sua presença. É justamente esse universo que a Companhia Teatral Extremos Atos aborda no espetáculo “Pixologia”, monólogo escrito e dirigido pelo ator Emerson Alcalde, que dá vida a quatro personagens. Ao lado dele estão Fernando Matraga, no comando do som, e Joyce Ribeiro, na iluminação.

 

Para discutir o polêmico assunto, Emerson encarna um estudante de artes plásticas que narra uma experiência vivida com um grupo de pixadores nas ruas da capital paulista. A peça faz, também, um percurso pela história da arte – da pintura rupestre aos movimentos contemporâneos. Com isso, o ator pretende fazer um questionamento sobre o que é arte. “O espetáculo não faz uma apologia, mas discute a pixação que tem um lado artístico como sua grafia, traços e tinta. É uma forma de expressão plástica e tem todo um movimento sociológico em torno dela”, explica.

 

 

Ruas da capital e teatro hip-hop

 

Em “Pixologia”, Emerson insere muito de sua experiência pessoal. Nascido no bairro Cangaíba (na zona leste), o artista já integrou os Shark´s, trupe de pixadores vinculada à grife “Os Podrão” e fez rimas de rap com a “Legião de Mc´s”. Depois, ganhou uma bolsa para cursar teatro na faculdade Anhembi Morumbi e acabou saindo dos grupos para se dedicar aos estudos.

 

Em 2005, formou a Cia Atos Extremos e, nos dois anos seguintes, iniciou pesquisas sobre o universo da arte urbana. Nessa época, o grupo contava com mais três atores, que iriam abandonar o projeto em andamento. Agora, Emerson tem o apoio de Fernando, ator amazonense com quem contracenou em “Anedotas”, peça integrante do projeto “Machadianas”, no teatro Ágora, coordenado pelo renomado artista Celso Frateschi.

 

Para criar a dramaturgia de “Pixologia”, Emerson relata que se apoiou em teses acadêmicas sobre o tema e fez entrevistas com pixadores nas ruas. Ele conta que encontrou antigos colegas ainda em atividade. Alguns deles inspiraram o texto da peça, como o pixador conhecido como Zé (do Lixo Mania), e que segundo Alcade passou por uma fase azul, “assim como Picasso” quando foi pixar na Espanha.

 

 

Outra história conhecida é da menina, sem nome revelado, que atacou o prédio do Batalhão da Rota em São Paulo e pulou de cima do edifício para fugir de policiais. A partir dessas histórias, Emerson reflete sobre o que ele chama de periferia invisível. “As pessoas da periferia se sentem invisíveis no mundo. Por isso, pixam para se afirmar, se arriscam para escrever seu nome e serem vistas”, analisa.

 

Outra de suas paixões – o rap – permeia a trilha do espetáculo que Emerson define como “teatro hip-hop”. Com um instrumental de fundo, o ator e MC entoa ao vivo rimas criadas por ele. Além de grupos de rap, estão entre suas influências o escritor Ferréz e os dramaturgos Bertolt Brecht e Federico García Lorca.

 

 

 

 

 

 

Carol Ferreira

CAROL FERREIRA é jornalista cultural especializada em crítica teatral.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.