novembro de 2012

OPERAÇÃO ALÁFIA

Nabor Jr.

 

 

 

colaboração Liliane Braga
fotos MANDELACREW

 

 

 

 

Capitaneada pelo músico, produtor, dj e agitador cultural Eduardo Brechó, e seu generoso acervo de discos com os mais variados swings do que conhecemos como música negra para dançar, o coletivo Aláfia (formado há pouco mais de um ano e meio na cidade de São Paulo) com seus shows concorridos, performances elogiadas e parcerias cults, encerra o ano como uma das gratas promessas da movimentada cena independente musical paulistana para 2013.

 

“Nossa proposta está bastante ligada à luta da juventude negra e à cultura de quebrada. É música afrourbana na essência. Até agora, todos nossos shows e trabalhos têm sido ligados a essa estética. O nosso público nos reconhece nesse lugar também. Desde o começo da banda não queríamos ser levianos ou superficiais nos assuntos e temas que tratamos”, conta Brechó.

 

Com previsão de lançar o combo “CD, disco virtual e vinil” pela YB Music (que já produziu nomes como Instituto Coletivo, Curumin e por quais estúdios de gravação também já passaram Sabotage, Racionais MC´s, 509-E, entre outros) já nos primeiros meses do ano, o jovem grupo carrega nas mangas um coringa semelhante ao que – guardadas as devidas proporções, na recente história da música independente de São Paulo, através do olhar atento do produtor Daniel Ganjaman, fez acontecer o Coletivo Instituto e o rapper Criolo: a convergência de interesses sonoros aliada a uma bem ajustada união de talentos individuais em torno de um projeto em comum. Além, curiosamente, de uma boa pitada daquilo que o poeta Vinícius de Moraes costumava chamar de: “a arte do encontro”.

 

Para além da musicalidade do grupo, um bem dosado e autêntico conjunto de referências da música negra tradicional e contemporânea,  especialmente a produzida na diáspora americana e que resulta em um som com forte “pegada” jazz, funk e rap, aliada a potentes pitadas dos batuques presentes nos terreiros de candomblé, a até aqui bem sucedida caminhada do Aláfia está intimamente atrelada ao que os próprios músicos do coletivo definem como “providência dos encontros”.

 

“Cada um de nós aqui tem um interesse pelas questões do universo afro em todos os seus sentidos, sejam elas religiosas, culturais, sociais. Alguns mais outros menos. E por algum motivo, que eu particularmente não sei explicar qual é, essas pessoas acabaram se encontrando e desenvolvendo uma parada que tem a ver com elas próprias, uma linha só”, afirma Xênia França, uma das vocalistas do grupo que ainda conta com os nomes de Jairo Pereira (voz), Lucas Cirilo (gaita), Alysson Bruno (percussão), Gabriel Catanzaro (baixo), Pipo Pegoraro (guitarra), Filipe Gomez (bateria), Gil Duarte (flauta e trombone) e do já citado “agregador” Eduardo Brechó (violão e voz).

 

O barulho que a recente união do Aláfia causou na cena black indie de sampa pôde ser conferido já na primeira apresentação do grupo, em maio de 2011, no Bar B, localizado na região central de São Paulo: casa cheia e gente pra fora logo na estreia do grupo. A partir de então, o que era para ser uma apresentação isolada fruto de uma imersão musical de um grupo de músicos com interesses estéticos em comum, transformou-se em uma mini-temporada, no próprio Bar B, com apresentações estendendo-se por seis meses. Estava formado o Aláfia (que se na língua africana iorubá significa felicidade e caminhos abertos).

 

“Antes deste show nós experimentamos muitas coisas, gravamos, ensaiamos. Pessoas foram chegando, outras saindo. A princípio, quando a gente idealizou o Aláfia, nós não idealizamos a banda, na verdade a gente idealizou o espetáculo, o show”, recorda-se Brechó.

 

De lá pra cá, o noneto que leva em sua memória coletiva inspirações que vão do batuque de umbigada e o ensaio da escola de samba até o jongo e o bailes black, já se apresentou em algumas das mais hypadas casas da noite paulistana, tais como Matilha Cultural, Studio SP, Tapas Club, Zé Presidente e Centro Cultural Rio Verde. Também deram as caras nas quebradas da zona sul, leste, do interior de São Paulo e em festivais respeitados, tais como o Cidade Sonora, Virada Cultural, Sarau das Artes (promovido pelo SESC Interlagos) e teve a agenda de shows passeando pelas páginas dos principais guias culturais da cidade.

 

Entre as parcerias já firmadas pelo grupo, que possam por nomes como o dos mc´s Rincón Sapiência, Sombra e do poeta Zinho Trindade, destaque para a música Ela é Favela (Brechó, Lurdez da Luz, Jairo Pereira e Xênia França) gravada com a versátil cantora e rapper Lurdez da Luz (indicada no ano de 2011 ao Vídeo Music Brasil na categoria Melhor Videoclipe com o single Andei) e lançada no álbum Coletivo Urbano – Volume 1 (2012), coletânea que reuniu para sua gravação, no SESC Pompeia, nomes representativos da música de São Paulo, como Rômulo Fróes e Kiko Dinucci.

 

Muito mais do que providências e encontros, é sem dúvida a sonoridade do Aláfia (procure pelas ótimas O Homem Que Virou Música, Pera Lá, Nas Voltas do Baile Black) que aos poucos vem se transformando em um único corpo em cima do palco, as “chaves do negócio” de uma ainda promissora união que tem repertório para dar samba, ou o verdadeiro Xirê (forma como é conhecida a reunião dos orixás nas casas de candomblé) idealizado por Brechó.

 

Em entrevista realizada no estúdio de ensaios do grupo, eles contam detalhes da formação do coletivo, o modo como são produzidos os arranjos musicais, a expectativa do aguardado primeiro álbum e a relação com a internet.

 

Aí fala Aláfia!

 

 

COMO SURGIU O ALÁFIA?

EDUARDO BRECHÓ
Eu tinha umas composições minhas que eu sempre tive o desejo de reunir um pessoal pra tocar, mas pessoas que pudessem ter algum tipo de identificação com essas músicas que eu fazia. Todo esse pessoal que hoje está no grupo eu já vinha fazendo algum tipo de contato para produzir algo que nós não sabíamos exatamente o que era, mas que era algo que nos unia. Eu estava apenas aglutinando pessoas, mas sentia que todos tinham coisas em comum e que juntos somaríamos.

 

Me lembro que no final de 2010, no aniversário do Jairo, eu estava na casa dele, em Suzano, e nós pegamos um caderninho e escrevemos algumas coisas, projetamos algumas coisas. E isso foi se desenvolvendo até maio de 2011, quando nós fizemos o primeiro show. Essa formação aqui (a atual) se fixou em maio de 2011, praticamente. Apenas o Gil e o baterista (Filipe Gomez) chegaram no show seguinte. Mas foi especialmente após a gravação da música Ela é favela que começamos a se fixar mais como banda, com ensaios e tal.

 

 

JAIRO PEREIRA

Lembro que um dia estávamos fazendo um som com a MPC quando um amigo nosso que trabalha com vídeo e tal, o Pedro Watanabe, veio e trouxe um amigo. Aí estávamos conversando sobre vídeo e ele, Watanabe, montando uma base qualquer. E de repente o amigo dele disse que tocava uma gaita. Eu falei “como assim?” Ele foi ao carro, pegou a gaita e naquele dia foi a primeira união sonora que mostrou uma cara de Aláfia com uma música que hoje em dia inclusive está nosso repertório, que é Em Punga. O cara que pegou a gaita foi o (Lucas) Cirillo.

 

 

 

COMO ERAM OS ENCONTROS NO INÍCIO DO PROJETO?

 

LUCAS CIRILO

A antiga casa do Eduardo (Brechó), na Vila Madalena, no quintal do seu João, que era onde nos encontrávamos no início, era como um portal, porque você entrava tinha uma sala cheia de discos, as ideias comendo soltas. Ficávamos trancados durante horas. Era tipo um laboratório. Foi um momento muito produtivo.

 

XÊNIA FRANÇA

…(nossos ensaios e encontros na casa do Brechó) era uma espécie de momento “Novos Baianos”. Eu lembro nitidamente quando a gente começou que não tínhamos hora para dormir ou para acabar, a gente estava sempre na casa do Eduardo, e situações muito loucas acontecendo dentro de um ambiente só porque a gente queria fazer uma parada que a gente não sabia bem o que era, nós só queríamos que aquilo existisse, se materializasse. E de tanta vontade rolou.

 

 

Como funciona o processo de composição dos arranjos? 

LUCAS CIRILO

Vou falar em ordem cronológica mais ou menos como funciona nosso processo de arranjo das músicas. Primeiro, chega o Eduardo com o violão e mostra a música para gente, ou, se não, vem o Eduardo com uma música que já tem uma base feita na MPC pelo Jairo. Aí vai o Gabiru (Gabriel Cantazaro) pega o baixo e começa a dedilhar. Aí o Eduardo fala “não, vamos por aqui, ou por ali”. Depois vem o Alysson e chega com toda a pesquisa dele…

 

EDUARDO BRECHÓ

A maioria das músicas que executamos já são antigas. Já tem uns cinco anos por aí. E eu já as pensava de algumas maneiras. E quando chegou ao Aláfia nós temos uma instrumentação e um tipo de formação. Então as musicas servem para o nosso som, e não o nosso som vai servir para a música.

Hoje nós pensamos muito por setores, núcleos, e isso sem dúvida foi o ponto crucial para o acréscimo individual da banda.

 

Quando falo que dividimos por setores, quero dizer a gente separa a  música por naipes: a sessão rítmica, a harmonia e as vozes. Nós queremos muito nos aprofundar nisso daqui pra frente que é o lance de conseguir trabalhar separado todas essas coisas e depois trabalharmos juntos. Porque hoje a gente trabalha tudo muito junto e acho que as coisas que a gente mais gosta foram as coisas que conseguimos fazer em separado. Então por exemplo, o Cirillo chegava com o Pipo e falava: “vamos fazer essa frase aqui”. Então eles faziam os dois, ali, separadinho, fazendo isso, e quando nós nos juntávamos era muito legal. Porque eles tinham pego uma estrutura e se dedicado exclusivamente a aquilo e não era algo imediato como na hora da criação. Então ficou mais ou menos assim: Gil, Cirillo e Pipo.

 

 

 

O DISCO DE VOCÊS ESTAVA PREVISTO PARA SER LANÇADO NO INÍCIO DO ANO, FICOU PARA O MEIO DO ANO, DEPOIS PARA O FINAL.  QUAIS FORAM OS IMPECILHOS PARA A CONCLUSÃO DESTE PROCESSO?

 

LUCAS CIRILLO

Nossa primeira vontade era gravar o disco ao vivo, mas não rolou. Estávamos com a ideia de fazer uma viagem para fazer o disco, fazer o disco viajando e tal. Nós armamos, cada um deu um jeito no seu trampo, ou deu um cambau mesmo, pegamos férias de uma semaninha, enfim. A gente sempre houve a lenda, os “Novos Baianos” gravaram um disco assim, fulano também gravou. E a gente foi e vimos que quatro dias para gravar um disco com uma banda com nove pessoas não ia dar muito certo. Mas foi bom pra gente se conhecer melhor. Voltamos também com bastante pressa pra gravar o disco e entramos no estúdio. 

 

XÊNIA FRANÇA

No palco, a gente sente um déficit de não conseguir passar nossa mensagem musical para as pessoas da maneira que a gente gostaria. A vibe a gente consegue transmitir. Talvez isso não seja  questão mais importante, mas para nós, como músicos e pessoas que estamos nos dedicando a um processo cada um aqui com sua segurança de referência do que gostaria de colocar para fora, no palco a gente sente uma necessidade de dar para as pessoas uma coisa que às vezes não acontece, mas que no disco a gente gostaria de passar.

 

JAIRO PEREIRA

A banda é nova, nossa união é nova. E no meu modo de ver nós tivemos a pretensão de achar que poderíamos fazer um trabalho já no começo, porque a gente já tinha idéia muito amadurecidas do que poderia ser o Aláfia. Mas dentro desse tempo de idas e vindas, das possibilidades e não possibilidades, isso só nos fez crescer mais porque nos mostrou caminhos mais possíveis e mais ricos.

 

EDUARDO BRECHÓ

Estamos gravando o disco já faz um ano e pouco. O disco já rodou, bateu, foi, voltou. A concepção inicial do trabalho travou muito essa questão do disco. A gente começou a trabalhar o disco totalmente em oposição ao nosso espetáculo. Porque a gente não conseguia reproduzir o espetáculo no disco. Então esse é um dos motivos principais do disco não ter saído ainda. É claro que, para gente, como banda, é um pouco aflitiva essa espera, porque existe uma expectativa grande de todo mundo aqui. Mas, enfim, ele vai sair agora no início de 2013.

 

Vocês conseguem definir o Aláfia? 

 

EDUARDO BRECHÓ

Ser afrourbano é uma consequência natural. Tem o conceito, mas a princípio é uma consequência dos nossos interesses. Naturalmente, cada um de nós, de uma forma ou de outra já estava nessa caminhada. Por exemplo, eu tenho mais contato com o Alysson desde as aulas de dança afro na Sala Crisantempo. Nós já temos nossas vivencias diaspóricas.

 

É claro que há uma direção. Por isso que o repertório do Aláfia tem a ver com a coisa mítica. Na minha concepção, tem uma coisa de Xire. Nós tratamos de temas e dos mitos em que nós nos baseamos na tradição. A mesma cosmovisão mítica a gente tem no espetáculo, de uma maneira urbana.

 

No espetáculo tem essa coisa afro, da qual nós podemos nos desprender de repente, mas a estrutura, a mítica, que é afro pelas nossas influências individuais, essa estrutura mítica deve permanecer.

Nabor Jr.

Nabor Jr. é fundador-diretor da Revista O Menelick 2° Ato. Jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, também atua como fotógrafo com o pseudônimo MANDELACREW.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.