maio de 2010

JACKSON DO PANDEIRO: SUA MAJESTADE, O REI DO RITMO

Nabor Jr.

 

 

 

 

 

 

Em um país cuja principal festa popular é o percussivo Carnaval, onde uma caixinha de fósforo é sinônimo de samba e um prato de cozinha instrumento de batuque, ser considerado o Rei do Ritmo, convenhamos, não é pra qualquer um.

 

Mas um franzino paraibano, de nome José Gomes Filho, natural de Lagoa Grande, pobre, negro e analfabeto até os 35 anos de idade, contrariando o futuro que lhe estendia as mãos, transformou as batucadas do seu destino. Tomou de assalto a cena musical brasileira e, deixando para trás o swing de nomes como Wilson Simonal, Toni Tornado, Bezerra da Silva, Jorge Ben e tantos outros mestres do balanço, recebeu, com méritos, a concorrida alcunha de Rei do Ritmo.

 

Jackson do Pandeiro, como mais tarde ficaria conhecido José Gomes Filho, alcançou tal prestígio não apenas por dominar como poucos o instrumento que lhe empresta o sobrenome artístico, mas, também, e principalmente, por sua singularidade ao interpretar canções que viriam a definir a essência rítmica do cancioneiro nordestino.

 

“Esse artista tinha uma característica de divisão métrica dentro da música que é inato. Nem ele conseguia explicar. Pegava uma frase melódica, com tempo e marcação definidos e saia quebrando isso o tempo todo. Ás vezes adiantando, às vezes atrasando, mas sempre ao final coincidindo com os acordes da música. Essa brincadeira que o Jackson fazia com a voz e com as músicas é algo realmente impressionante. O grau de sofisticação, a técnica que ele usava e ao mesmo tempo a intuição, que é aquela coisa natural que vinha espontaneamente e nunca se repetiu e provavelmente nunca se repetirá porque dificilmente surgirá outro como ele”. A afirmação é do jornalista Fernando Moura, que ao lado do também jornalista Antônio Vicente, lançou em 2001, pela Editora 34, a biografia do músico, intitulada “Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo”, que apresenta a vida e a obra do músico desde o seu nascimento em 1919, até a sua morte, quase no ostracismo, em julho de 1982.

 

Moura, que demorou oito anos até concluir o livro, realmente tem razão, Jackson transitava do forró ao samba, passando por todos os seus subgêneros, como o baião, xote, xaxado, coco, arrasta-pé, frevo, em fim, tudo que tivesse batuque, com extrema autenticidade, imprimindo um nova cadência aos ritmos que, já no início do século XX, se apresentavam como a base sonora por qual seguiria a música popular brasileira nos anos seguintes.

 

 

Filho da cantadora de coco Flora Maria da Conceição, Jackson cresceu ouvindo e tocando coco, fazendo “forró quentinho”, como dizem na Paraíba. No início da vida adulta, já na cidade de Campina Grande, freqüentou o famoso Cassino Eldorado, onde tomou contato com ritmos como o blues, jazz, chorinho, maxixe, rumba, tango e o samba. Também freqüentou, durante determinado período da carreira, terreiros de candomblé, não em razão da sua crença, mas para ouvir e ver de perto as batucadas que de lá ecoavam. Além do talento nato de Jackson, essas experiências foram sem dúvidas fundamentais para transformar o que era para ser apenas mais um “Zé da Paraíba” em um dos maiores expoentes da influência rítmica negra na música nordestina.

 

“Ele foi campeão de samba em diversos carnavais no Rio de Janeiro. E olha que ser campeão de festivais de carnaval no Rio, no meio de tantos bambas, não é fácil não”, recorda-se Fernando Moura.

 

Pouquíssimas pessoas sabem, mas, o primeiro disco de Bezerra da Silva, “O Rei do Coco”, lançado em 1976, tem a direção artística de Jackson do Pandeiro, que ainda participou de todas as músicas do álbum como instrumentista.

 

Para o pernambucano Carlos Fernando, produtor musical e um dos mais importantes compositores de Frevo ainda em atividade no país, o ritmo, tal qual conhecemos hoje é uma legítima criação de Jackson. “Foi ele quem acelerou a música. O frevo era um pouco mais lento, depois que ele gravou o álbum Micróbio do Frevo, o ritmo tomou um novo caminho”.

 

Seriam necessárias páginas e mais páginas para situar a importância de Jackson na música popular brasileira e a sua determinante influência na música pós-tropicalista de Gilberto Gil, assim como na obra de Alceu Valença, Lenine, só para ficar em alguns exemplos. Por isso, para os que desejam compreender a sua obra, a recomendação é seguir as palavras de Fernando Moura, “mais do que ler Jakson é necessário escutá-lo”.

 

 

 

OUÇA

Em 1966, com 10 anos de carreira na bagagem e já acompanhado de Almira Castilho (parceira de palco e companheira por 11 anos), Jackson do Pandeiro lançou o álbum “O Cabra da Peste”. No disco, o Rei do Ritmo nos brinda com uma sacolejante seleção de músicas que misturam forró, baião e samba – com Jackson inspiradíssimo em sua maneira pra frente de executar as canções e divisão vocal incomparável. Destaques para “Capoeira Mata Um”, um delicioso balanço misturando coco com samba, um de seus ‘afrosambas’; “A Ordem é Samba”, uma das melhores músicas do cancioneiro jacksoniano, sobre a onda de samba no Rio; “Bodocongó”, baião composto pelo eterno parceiro de Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nabor Jr.

Nabor Jr. é fundador-diretor da Revista O Menelick 2° Ato. Jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, também atua como fotógrafo com o pseudônimo MANDELACREW.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.