abril de 2011
PARTEUM OU, HÁ SEMPRE UM COPO DE MAR PARA O HOMEM NAVEGAR
Nabor Jr.
fotos Cíntia Augusta e MANDELACREW
Foi na chuvosa noite do último dia 26 de novembro, no hypado clube Estúdio Emme, em São Paulo, durante a festa de estréia da Noite Trama Virtual, que o MC e produtor paulistano Parteum, que dias antes havia lançado o EP “A autoridade da razão”, disse, ainda em cima do palco, ao lado dos seus parceiros do Mzuri Sana, que a Filosofia (como o estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem) exercia contundente influência nos seus processos de criação.
Como na obra Interpretação dos Sonhos (1899), onde o filósofo austríaco Sigmund Freud reúne uma série de estudos que tiveram origem em anotações e análises dos seus próprios sonhos, Parteum, ao tecer tal comentário, inconscientemente, traduziu em palavras os “pensamentos” da revista O MENELICK 2º ATO naquele exato momento. E, subjetivamente, nos brindou com uma interessante pauta.
Aos 35 anos, casado e pai da pequena Cora, Parteum, que nos recebeu no Trama Estúdios, em Pinheiros, vive seu ápice criativo e produtivo. Peça fundamental dentro da Trama Virtual, amante da música, do cinema, do skate, do vídeo e da tecnologia (quase sempre está armado com seus Ipad, Iphone, Macbook e outras parafernálias eletrônicas), Parteum está, sim, quilômetros a frente do seu tempo. Ainda mais se pensarmos nas cabeças que hoje conduzem o rap nacional.
Uma entrevista com ele nunca é “apenas” uma entrevista: é uma aula. Seus comentários e respostas impreterivelmente desembocam em referências artísticas cabeludas. Jay-Z, Kennie West, César Camargo Mariano, Beto Villares, João Marcelo Bôscoli, Herbie Hancock, Pete Rock, James Yancey, Nigel Godrich, Stewart Copeland, James Yancey, Native Tongues, Descartes, Sartre, Freud, foram alguns dos nomes que ele citou durante nossa conversa. Um verdadeiro presente de ano novo. Que venha 2011!
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Interesse por Filosofia
Na verdade tudo começou na faculdade, na Cásper Líbero, no curso de Publicidade e Propaganda. Entrei com 19 anos, justamente uma fase onde você está se conhecendo um pouco melhor, aprendendo a lidar com suas emoções e tal. Foi aí que comecei a ler o que a maioria das pessoas lê quando toma conhecimento com a área: Sartre, Descartes, Schopenhauer e por aí vai.
Vivo, logo existo
A experiência humana depende muito de você estar vivo. Você só consegue perceber a experiência de outras pessoas, o que te agrada ou não, partindo do seu banco de emoções e sensações.
Na verdade, ninguém conhece ninguém. O que acontece é que existem momentos em que as pessoas se conhecem. A compreensão é sempre baseada na sua própria experiência, e não na do outro. Você conhece o mundo a partir dos seus sentimentos.
A Origem
Assisti o (filme) Inception (A Origem) sozinho, em uma sexta-feira em uma sala de cinema de shopping. Eu, meu telefone e minha câmera. Após a exibição fiz um filme da minha experiência de ter assistido ao Inception com minha câmera. Este vídeo não esta em lugar nenhum, mas de vez em quando eu volto a ele para assistir.
No caminho de volta pra casa eu coloquei no meu Ipod a música Força da Sugestão, gravada por mim em janeiro de 2007. Daí eu me perguntei, como pode ter tanto a ver uma música que eu fiz em 2007, com um filme que assisti três anos depois? Eu não quis achar muitas respostas para isso, mas acho que a dúvida é o estímulo para você dar o próximo passo.
A Interpretação dos Sonhos
Pessoas mais inteligentes que eu dizem que o sonho nada mais é do que a sua cabeça organizando e colocando nas gavetas certas as informações que você precisará acessar no resto da vida.
Eu tinha um sonho recorrente onde apareciam todos os meus amigos. Sei que existe uma variante desse sonho que já apareceu em algum lugar, filme talvez, não sei. Não sei se foi daí que ele passou a aparecer para mim, mas já tive muito esse sonho, hoje não tenho mais. Ele inclusive virou rima. Eu estava dentro de uma piscina e todos meus amigos ao redor, e eu gritava que estava me afogando e pedia para que eles viessem me ajudar. Aí aparecia uma mulher, que eu não sei quem é e que também eu não conseguia ver o rosto. E ela dizia: “Não estou te entendendo. A piscina está vazia”. E sumiu. E a piscina realmente estava vazia.
Depois de anos, quando eu aprendi a escrever rimas e tal eu compus: “Viver de vez em quando é se afogar em uma piscina vazia”.
É preciso eu estar muito bem, com dias muito bons na seqüência para que eu acorde e fale “Isso aqui dá alguma coisa!”
Vejo os sonhos muito mais como algo que pode abrir portas, do que respostas únicas e verdadeiras para que as dúvidas desapareçam. As dúvidas nunca desaparecem.
Matemática
Dj Quik – que já produziu para Dr. Dre – e que é considerado uma lenda da costa oeste norte-americana, diz que só começou a fazer música boa quando começou a fazer músicas entre as notas. Isso vindo de um cara do jazz você vai falar: Pô arrojado.
Você não espera ouvir isso, ou melhor, a grande mídia não espera ouvir isso de um cara do rap. E ter um cara do rap falando e mostrando isso, me dá essa idéia de que a matemática não precisa ser exata todo o tempo. Por produzir, estou fazendo conta o tempo inteiro.
Penso, logo existo.
Na música, especialmente no Rap, estamos existindo primeiro. E eu me coloco nisso também porque, em tese, somos um corpo só. Digo isso porque a coisa mais difícil hoje em dia é você encontrar um cara que diga: “não, eu só compro e baixo discos de rap, vou aos shows. Sou fã de rap”. É muito difícil isso acontecer hoje em dia. As pessoas viram pra você e dizem eu tenho um blog, sou Dj, tiro umas fotos, ou agencio um artista e por aí vai. É muito difícil você encontrar uma pessoa e ela simplesmente dizer que gosta de rap, compra os discos, vai aos shows e acompanha a cena. Se tem, está muito escondido.
A erosão da atenção
Hoje as pessoas consomem muito mais quantidade do que qualidade. O cara chega pra você e diz, baixei não sei quantos álbuns essa semana. Daí eu pergunto: Mas qual você ouviu com profundidade? Parou mesmo e ouviu faixa por faixa?
É meio como intitulou a escritora Maggie Jackson, que chamou esse fenômeno da erosão da atenção. A experiência de ouvir um álbum é bem parecida com a experiência de assistir um filme. Não que seja culpa do moleque que baixou 20, 30 álbuns na semana. Porque isso é bom. O lance é não ter tempo hábil de ouvi-los com profundidade. É uma corrida para ter toda a informação, mas não necessariamente para usá-la. Acho isso meio perigoso.
Tapa na cara
Só depois do nascimento da minha filha comecei a perceber o quanto eu era chato com um montão de coisas. Antes eu não tinha razão para ser melhor. Eu achava que era legal e que dando a primeira porrada, falando “Não, não é assim!” estava me comunicando da maneira mais eficaz. Eu só queria falar de maneira clara, não queria que a pessoa achasse que eu era uma pessoa legal, chata ou boazinha, desejava me comunicar de maneira eficaz. E o processo menos doloroso de fazer qualquer coisa é fazer rápido. Então para poder focar no que eu faço, eu achava que tinha muito pouco tempo para conversar com as pessoas. Eu não tinha prazer em falar com as pessoas. Achava que tinha muito mais coisas para falar com o mundo do que o mundo falar para mim. Mesmo que no fundo da minha mente eu achasse isso errado, só levei o tapa da vida quando a Cora nasceu.
A partir deste momento, e eu não preciso de um crítico de arte para dizer isso, eu sei que minha música está melhor, sei que sou uma pessoa melhor e que eu estou vendo o mundo com outras cores.
Privacidade
Estava ouvindo uma entrevista do Jonh Mayer, que encerrou a conta dele no Twitter para passar por um período de digital clean (limpeza digital). Porque a maioria das coisas que ele dividia no Twitter não eram para ser compartilhadas com os 4 milhões de seguidores que ele tinha. Mas sim com pai, mãe, irmão, namorada. E que agora ele tem algumas regras.
Autoridade da Razão
As pessoas podem ter acesso ao EP Autoridade da Razão através do site parteum.com, onde tem um link. Quero lançar fisicamente este EP em março, mas estou adicionando novas músicas a esse trabalho. Junto eu quero lançar um dvd com as imagens que capturo no meu cotidiano. Uma vez que estou sempre gravando. Se eu vou andar de skate eu gravo, se eu vou à casa do meu sobrinho eu gravo, se eu vou ao sebo eu gravo, se eu vou a uma loja de informática comprar alguma coisa eu gravo, se eu vou à casa do meu amigo estudante de cinema que pegou filmes dos anos 50 pra gente assistir eu gravo também.
Nesse meu um ano de retiro desde o nascimento da minha filha, gravei muita coisa e não mostrei pra ninguém. Nem pro Secreto, nem pro Suissac, nem pro meu irmão, nem pra minha esposa, nem pra ninguém. É meu, um processo meu. Acho que isso acontece com todos os artistas.
Minha idéia é ficar mais um tempo parado nos shows, criar mais coisas. Pretendo fazer apresentações lá pra março.
Querem que o artista seja artista 24h por dia, e eu não sou. Sou ariano, tento ter o controle de tudo todo o tempo.
Um Filme: Waking Life, de Richard Linklater
Um Livro: Distracted – The Erosion of Attention, de Maggie Jackson
Uma Música: Tell Me a Bad Time Story, de Herbie Hanckok
Um Músico: Ivan Lins