junho de 2011
DEXTER: DIAS MELHORES
Indira Nascimento
fotos MANDELACREW
A tristeza, a solidão e as condições quase subumanas que rondam o falido sistema carcerário nacional deixaram de ser a sua morada. Ao menos fisicamente, o amargo cotidiano dos presídios brasileiros não mais lhe pertence. As limitações para sair, entrar, comer, ver o sol, a família e os amigos, igualmente ficaram para trás, trancafiadas entre as paredes de concreto e aço que cercam o presídio de Hortolândia, região metropolitana de Campinas, seu antigo endereço.
Aos 37 anos, Marcos Fernandes de Omena, vulgo Dexter, “o oitavo anjo”, conforme estabelecido pela justiça paulista no último dia 20 de abril, pagou sua dívida com a sociedade brasileira e é um homem livre.
Após 13 anos encarcerado (período em que formou, e posteriormente se desligou, do grupo de rap 509-5, nascido dentro do Carandiru, e em que compôs músicas que se transformaram em hinos da juventude pobre e negra do Brasil), o rapper hoje goza as coisas simples da vida, a liberdade plena e concreta e uma agenda lotada de shows, palestras, entrevistas e outros compromissos profissionais.
Pouco antes de sentenciada esta nova realidade que o cerca, no dia 16 de abril, ainda em regime semi-aberto, Dexter nos concedeu uma entrevista. A última como um homem exilado, como diz o seu excelente álbum Exilado Sim, Preso Não (2005).
Enquanto aguardava a participação que faria em um evento próximo ao largo do Paissandu, no centro de São Paulo, Dexter – acompanhado da esposa, Patrícia Omena (com quem está há 10 anos) – falou sobre sonhos, música, educação, a revolução vinda das periferias e o sistema carcerário: “Os atrativos dentro da prisão são totalmente degenerativos. O sistema não recupera ninguém, a pessoa tem que criar uma força interior, porque só depende dela mesmo. Mas tenho comigo que o dia de amanhã pode ser bem melhor!”, disse.
Mal sabia o rapper que quatro dias depois da declaração ele e a liberdade enfim se cruzariam. O dia melhor chegou.
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OMENELICK2ºATO – Quem era o Dexter há 13 anos e quem é o Dexter hoje?
DEXTER – Eu diria que a mesma pessoa. O mesmo caráter, a mesma gana. Só que com muito mais vontade de vencer hoje. Eu quero viver! Eu quero poder criar meus filhos, quero poder ser um bom esposo. Claro que eu sou um ser humano e erro pra caramba, mas eu quero ser um bom amigo para meus amigos, eu quero ser um cara comum, peço sempre a Deus para nunca me deixar ser um cara altivo, e preservar coisas que não são minhas, tá ligado?!
Claro que conforme os anos vão passando a gente vai ganhando experiência, decepções, frustrações e aprendendo a lidar com tudo isso. E essa somatória vai amadurecendo a gente. E o que fica mesmo é a lição de vida de cada um, e você pode se espelhar e tirar um pouquinho da vivência de cada um. Valorizar as coisas simples da vida, é a gente perceber essas coisas, sabe?! Talvez uma gota de água aqui não faça diferença, mas no deserto vai fazer.
OM2ºATO – Chegou a pensar em desistir do rap?
DEXTER – Pensei, pensei. É muito difícil né…você estar lá dentro e não poder fazer o que ama fazer efetivamente, que é cantar, estar com o público é muito difícil. Me faltava isso. E muitas vezes por muitos motivos eu pensei em desistir. Eu pensei já era mesmo! Mas eu sempre tive um Deus maravilhoso que me guia, e minutos depois destes pensamentos ele me fortificava ainda mais. Pensar é natural por que somos humanos, mas desistir mesmo, aí é outra fita né.
OM2ºATO – Você fala muito em revolução. No lance da periferia ocupar espaços na sociedade e tal. A revolução será televisionada?
DEXTER – O rap contribui muito para isso, assim como o Movimento Negro também, mas eu acho que a gente tem que estudar. Para mim, o rap é a válvula de escape para muitos problemas que a gente tem dentro da periferia, mas o estudo é a formação. Então, eu fico vendo outros países onde as pessoas são educadas de uma forma diferente. Por exemplo, nos estádios, eles vão para curtir, mas, eles mesmos limpam os estádios (eu vi em Pequim, nas Olimpíadas). No Brasil é meio que uma bagunça em relação a tudo isso. Mas eu falo de revolução de uma forma geral, não adianta a gente querer revolucionar a casa dos outros, sendo que a nossa casa está toda bagunçada. Então é isso, acho que a gente tem que centralizar nossos pensamentos, ter um objetivo na nossa vida, o futuro está aí e nos espera. Todo mundo sonha em casar, ter filhos, ter uma casa… A revolução tem que começar primeiro dentro de você. Se você é preto você tem que se valorizar como tal, se você é branco você têm que entender que você também tem certa responsabilidade de fazer com que o futuro seja mais ameno. O mundo tá muito louco, as pessoas estão usando muita droga, o crime está em ascensão, às pessoas são frias, ninguém se cumprimenta mais eu já falei disso na música “Salve se quem puder” eu gostaria que o mundo fosse diferente.
OM2ºATO – Você guarda alguma magoa do Rap?
DEXTER – Não, o rap só fez bem pra minha vida. O rap é um grande amigo que eu tenho. O rap salvou minha vida, salvou muitas pessoas da minha geração. Fez com que as pessoas da minha geração fossem aprender, fossem estudar, fossem aprender a falar corretamente, ou o mínimo pelo menos. Como ter mágoa? Não, tudo o que têm de ruim no rap, foram às pessoas que colocaram. Mas a essência do rap é maravilhosa, o rap faz parte de uma cultura que salva o bem mais valioso de uma pessoa, salva a vida. A partir do momento que você para pra prestar atenção em verdadeiras músicas de rap, você se transforma. Têm músicas que te colocam dentro da cena, é como se fosse um filme, assim como: “Um homem na estrada”, dos Racionais, “Brasília periferia”, do Gog, “Gente Visita”, do Realidade Cruel, “Soldado do Morro “ do Bill, “Senhor tempo Bom”, do Thaide, são musicas que te colocam dentro da situação, e você se transporta pro local, isso é rap de verdade. Primeiro tem que ter rima e depois uma construção muito loca daquela história que você quer contar. Aprendi isso com o Brown, não que ele tenha me dito, mas ouvindo as músicas dele eu percebi. E eu percebi que consegui alcançar essa medida quando depois de oito anos eu ouço “Oitavo anjo” e “Saudades mil” nas rádios. A letra boa fica né.
OM2ºATO – Como é pra você ser chamado pelo Mano Brown de o quinto elemento dos Racionais Mc’s?
DEXTER – É significativo ao extremo! O Brown tem uma representatividade muito grande na minha história, na minha carreira, nós compomos letras juntos. Eu acompanho o Brown desde 90, quando eu tinha um grupo chamado “Snake Boys”, eu já abria show pro Racionais na época. E minha amizade com Brown foi de bate pronto, ele é um cara que pensa as mesmas coisas que eu. Nós até comentamos recentemente que a gente parece irmão, ele foi um cara criado só pela mãe, sem pai e eu também. Nós temos uma identificação muito forte. Eu aprendi com Brown fazer revolução né, primeira música que eu ouvi e senti vontade de fazer igual foi “Pânico na Zona Sul” essa música me despertou, foi como se uma lâmpada acendesse em um quarto escuro. Foi quando eu falei pow, é isso aí que eu quero fazer. Eu acho que todo cara de periferia, toda mina de periferia tem vontade de gritar para o mundo. Extravasar tudo o que ele sofre lá dentro, toda pressão psicológica mesmo que inconsciente, nós somos meio que cobaias do sistema, não temos estudo adequado, trabalho adequado…. Enfim, se até a classe média sente vontade gritar, imagina a gente que vive na violência… Bom, e ser considerado o quinto elemento pelo Brown é um dos prêmios da carreira né, ainda mais quando o elogio vem de um ídolo. Quero agradecer os Racionais são referência né, maior grupo de rap do Brasil. Só tenho a agradecer ao Brown, Edi Rock, Kl Jay e o Blue também.
OM2ºATO – Recentemente você fez um show vestido com uma camiseta do Obama. Se você pudesse se encontrar com ele, o que diria?
DEXTER – Primeiro eu iria dar os parabéns pra ele. Eu vesti a camisa do Obama, por que acho que a gente teve uma puta vitória, de ter um presidente negro. No dia que ele ganhou eu me senti o cara mais feliz do mundo, eu me senti justiçado!! Foi muito louco, poder ver a contagem dos votos, foi muito louco a gente poder perceber que as coisas pelo menos lá estão mudando. Isso repercutiu mundialmente e eu senti muito orgulho de ser quem eu sou, de ter vivenciado esse momento. Eu daria um abraço nele por tudo isso, pelo slogan que ele criou “Nós Podemos”. E pela injeção de ânimo que ele deu em todos os pretos do mundo, e nas pessoas no geral. Assim como o Lula também, foi um momento histórico que a gente viveu aqui. Depois disso a primeira coisa que eu diria pra ele, é para que ele acabasse com a prisão de Guantánamo, de fato acabasse com a prisão de Guantánamo. Depois a gente conversaria sobre diversos assuntos.
OM2ºATO – De vinte anos para cá, quais foram às maiores mudanças que você percebeu no rap de hoje 2011?
DEXTER – Foram muitas as mudanças, agora nós estamos vivendo a tal de nova geração. Os manos estão cantando outras coisas, outros temas. O que eu acho valido porem não tão consistente quanto, eu nem vou dizer o nosso rap, mas quanto o rap mais engajado. São várias coisas que a gente poderia discutir em relação a essas novas músicas, essa nova tendência. Como o próprio Racionais já falou o rap é uma grande árvore com vários galhos. E algumas pessoas se identificam mais com rap ideológico. Agora falando de mim, eu acredito que os problemas continuam, eu vejo os mesmos problemas só que de outra forma, talvez um pouco mais evoluídos agora.
OM2ºATO – Antigamente sem a internet a rádio 105 Fm era a única maneira das pessoas saberem que o Dexter existia, certo?
DEXTER – Sim, ouvir uma música nova. Era uma febre… Antes da 105FM nós tínhamos a Metropolitana também com Aramando Martins, que era um puta programa… E hoje a gente não tem mais isso, eu senti saudade disso ontem, do Espaço Rap… Era o maior “auê”. Racionais vai lançar uma música a gente ficava esperando, programa do Aramando Martins todos os dias às dezenove horas, a gente ficava esperando… Era muito loca essa época do rap. A gente hoje em dia já não sente mais ansiedade de ouvir uma música nova na rádio. Esses dias eu vi um parceiro dizer na internet que logo, logo, muita coisa que estão dentro do rap hoje iria passar e que só os verdadeiros iriam ficar. E O Brown também já disse uma vez que a vida é dura e somente os duros continuarão caminhando. Então hoje eu digo assim “As únicas pessoas que realmente mudaram a história foram aquelas que conseguiram fazer as pessoas mudarem os pensamentos a respeito de si próprias” essa frase é de Malcom X, e o Rap pra mim é isso.
OM2ºATO – E o que você acha deste “novo rap”, com esses “novos rappers” que chegaram a televisão, a grande imprensa?
DEXTER – É fato que o rap é uma música revolucionária. E isso não vai mudar, nem tem que mudar. Mas agora estão dizendo ai que o rap virou pop (risos). Eu acho que o Rap é pop no sentido de ser popular né, de ser do povo mesmo. Mas em outro sentido acredito que não, e nem tem que ser também. Sempre que penso nisso, penso na Banda Calypso, não sei por quê. Ou será que eu sei…. Foi um fenômeno, mas hoje cadê a Joelma, cadê o Chimbinha?
Veja bem, não estou dizendo que sou contra você ir a TV. Eu acho que a gente deve selecionar as coisas. Eu já fui a Rede Globo, ou melhor, a Rede Globo já veio até mim. Dos novos eu ouvi pouca coisa, porque estava fazendo muita coisa e não tive tempo de esmiuçar o trabalho do pessoal. Mas eu conheci a Flora (Matos), menina educada. O Emicida eu ouvi pouca coisa, mas lembro de certa vez ele dizer que ouviu 509-E e que foi referência para ele.
Mas é isso, não adianta eu querer representar a playboysada que não vai dar certo. Acho que cada um é cada um. E eu sou um cara da rua e continuo com a mesma essência, eu não tenho essa de temática para disco, não fico inventando métrica, nem flow, nem gosto disso.
OM2ºATO – Deixa um recado para quem ainda vai ficar exilado por mais algum tempo
DEXTER – Seja perseverante, acredite na palavra de Deus por que ela nunca volta vazia. Tenha fé. É difícil isso dentro da prisão, por que na prisão você não tem nada a não ser a vontade de vencer. Os atrativos dentro da prisão são totalmente degenerativos. O sistema não recupera ninguém, a pessoa tem que criar uma força interior, por que só depende dela mesma. Então que vocês sejam fortes. E acreditem que tudo é possível por que o dia de amanhã pode ser bem melhor! A canção “Como vai seu mundo” retrata bem essa ótica. Mas eu só quero que todos tenham paz. Eu acredito que Deus tem poder pra mudar isso, mas acredito que a gente também tem. E um mundo melhor só depende de nós.