dezembro de 2014
AKUA NARU
Elizandra Souza
colaboração Nabor Jr.
tradução Dj Rafael Baska
agradecimentos Mano Zóio e Kall
foto MANDELACREW
Aproveitando a rápida, mas intensa passagem da cantora norte-americana Akua Naru pelo Brasil, em turnê que incluiu shows nas cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Guarulhos, São José dos Pinhais, São Bernardo do Campo, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília, a Rádio Comunitária Heliópolis e a Revista O Menelick 2º Ato, nas figuras, respectivamente, dos jornalistas Elizandra Souza e Nabor Jr., bateram um papo com a artista nos estúdios da emissora, localizada no coração de uma das maiores comunidades do país.
Nascida em New Haven, nos Estados Unidos, e atualmente morando na cidade de Colônia, na Alemanha, Akua Naru foi convidada para se apresentar no Brasil pelo rapper Emicida – que conheceu quando este encontrava-se em turnê pela Europa – em celebração aos 5 anos do selo/editora/coletivo/produtora Laboratório Fantasma.
Conhecida pela autenticidade que imprimiu ao hip hop contemporâneo, Akua Naru – frequentemente associada a escola musical que reúne nomes como Lauryn Hill e Erykah Badu- ganhou notoriedade percorrendo o mundo e sintetizando experiências e diversos gêneros musicais com sua forma particular de fazer hip hop, conforme apresentou em seu disco de estreia The Journey Aflame (2011).
Abaixo, trechos da entrevista conduzida pela jornalista Elizandra Souza e traduzida pelo Dj Rafael Baska, onde a artista fala de música, inspirações, livros, negritude e seu amor pelo Brasil.
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PELA SUA TRAJETÓRIA, PERCEBO QUE É INQUIETA, QUE GOSTA DE MUDANÇAS. O QUE É SER UMA MULHER, AFRO-AMERICANA E CANTORA, NA ALEMANHA OU EM QUALQUER OUTRA PARTE DO MUNDO?
AN: Isso é tudo que sei e que aprendi até agora. É muito natural para mim. Adoro a diáspora, e toda a história africana. E isso faz parte de mim e é muito realizador ser uma mulher, negra e cantora. Apesar das circunstancias da supremacia branca que nós todos sofremos e conhecemos bem, o capitalismo e toda a história que vivemos e sentimos na própria pele, tento descobrir através das minhas próprias experiências como posso ajudar outras pessoas que ainda não enxergaram ou não enxergam esta questão. Então, de certa forma, tento abrir os olhos das pessoas, tento guia-las pela ideia de que vivemos em um sistema no qual somos manipulados e temos que acordar para isso, encontrar meios de viver e crescer no meio disso tudo, acabando com o racismo, o preconceito e sendo orgulhosos da nossa própria cor e da nossa história.
QUAIS SÃO AS SUAS INFLUÊNCIAS MUSICAIS?
AN: Eu amo jazz, soul music, Miles Davis, John Coltrane, Nina Simone, Steve Wonder. Gosto de rock também, como Led Zeplin, Rage Against The Machine. Gosto de música country, especialmente as clássicas do country music. Gosto de músicas verdadeiras, honestas, que dialogam com a minhas experiências ao redor do mundo, músicas que me façam sentir bem.
“O Hip hop sempre foi uma coisa muito familiar para mim, minha família ouvia muito, minha mãe, meu pai, primos, enfim. Na comunidade onde cresci o hip hop era algo muito presente. Então por toda vida o hip hop sempre foi algo normal para mim”.
TEM ALGUM CANTOR OU CANTORA NEGRA BRASILEIRA QUE VOCÊ GOSTA?
AN: Djavan, Tim Maia, além dos contemporâneos, Rael, Emicida, Criolo, Rashid.
NOS FALE SOBRE AS SUAS INFLUÊNCIAS LITERÁRIAS E SE ESTÁ LENDO ALGO NO MOMENTO?
AN: Leio bastante e gosto de muitas escritoras. Em particular Toni Morrison. Uma grande escritora que me influenciou e influencia muito até hoje nos meus trabalhos. Pablo Neruda, Mario Benedetti, são outros nomes que gosto muito também. De maneira geral sou influenciada por muitos escritores e poetas.
COMO É O SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO?
AN: Toda música é diferente. Para a música Poetry How Does It Feel, por exemplo, eu estava dormindo e durante um sonho a música começou a soar na minha cabeça, como se alguém estivesse ditando a poesia no meu ouvido, daí simplesmente levantei e comecei a escrever. Também tenho uma conexão espiritual com o mundo, com o cosmos, e pode ser que através desta conexão eu receba informações através de outras almas que me ajudam a escrever, passar as mensagens. Mas cada música é diferente uma da outra, e o processo de criação delas também.
VOCÊ É PESQUISADORA DE HERSTORY (O ESUDO DA ESCRITA A PARTIR DA PERSPECTIVA FEMINISTA). HÁ MUITO MATERIAL E PESQUISADORAS SOBRE O TEMA?
AN: Estudei não a história feminina, mas simplesmente História. História para mim é simplesmente o que aconteceu honestamente, gosto da verdade, dos fatos do que realmente aconteceu. Quando você diz Historia quer dizer mais ou menos quem tem a força de contar a história, ou quem tem o poder da história nas mãos. A pessoa que tem esse poder e que conta a história, meio que tem o poder de dizer quem tem que sofrer, quem vai ganhar, quem vai perder. Até hoje a Historia foi contada por pessoas que sempre tiveram o poder nas mãos: homem, branco, europeu.
ESTÁ EM PROCESSO DE CRIAÇÃO DE NOVOS TRABALHOS?
AN: Sim, estou com um álbum em trabalho que sairá agora no próximo mês de fevereiro. Estou mantendo um pouco em segredo, pois o nome do disco diz muito sobre o trabalho. Estou muito animada com ele, passei os últimos dois anos trabalhando duro nele e ele deve sair nos próximos dois ou três meses e estou muito excitada com isso.
ESTA SUA TURNÊ NO BRASIL É UMA PARCERIA COM O LABORATÓRIO FANTASMA, CAPITANEADO PELO RAPPER EMICIDA. ESTÃO PLANEJANDO ALGUMA MÚSICA JUNTOS? OU OUTROS PROJETOS DE CONTINUIDADE NESTA PARCERIA? COMO ESTA SENDO SUA EXPERIÊNCIA NO BRASIL?
AN: Sim. Antes de vir para o Brasil me encontrei com o Emicida que estava em turnê pela Europa, e nesse meio tempo eu também conheci o Rael e mantivemos contato via Skype. Com certeza vão vir mais trabalhos em parceria com o Laboratório depois desta turnê. Estar no Brasil é a realização de um sonho. Eu amo o Brasil. Viajo muito pelo mundo e esta é a primeira vez que me apaixono por um país em um primeiro momento. Não quero mais voltar para casa. Quero ficar aqui.
COMO VOCÊ PERCEBE O RACISMO TANTO NO BRASIL COMO EM QUALQUER OUTRO LUGAR DO MUNDO?
AN: Estou no Brasil há três semanas e este tempo não é suficiente para dizer ou ter uma perspectiva do que é o racismo no Brasil, precisaria de um pouco mais de tempo para isso. A questão racista é diferente em cada lugar. Em alguns é mais fácil de perceber, em outros é mais escondido, camuflado. Já sofremos racismo, ou situação racista no leste da Europa, por exemplo. Cada lugar tem o seu tipo e forma de demonstrá-lo. O racismo está presente no mundo todo. E uns é mais sutil, em outros é mais fácil de se perceber. Acho que devemos prestar atenção nos pequenos detalhes que são usados para esconder o racismo, pois sofremos com ele todos os dias. Conversar sobre isso, sobre racismo, como ser mulher negra dentro deste sistema, deveria ocorrer mais vezes e em mais lugares para que mais pessoas possam trocar experiências e crescer com isso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AN: Eu amo hip hop e estou impressionada em minhas viagens pelo mundo em ver como o hip hop é grande, como ele tem força e une as pessoas em diversas situações. Como disse certa vez Eryka Badu “o hip hop é maior do que o próprio governo, do que o próprio poder do governo”. Se nos ligarmos nisso e trabalharmos um pouco mais juntos e tentar crescermos juntos nós chegaremos muito mais longe do que podemos imaginar. Porque a questão não é simplesmente você chegar lá e ser algumas coisa, mas todos chegarmos juntos, fazermos juntos e vencermos juntos. Obrigado pela oportunidade. Estou realmente muito feliz em conhecer todos vocês e em saber que existem mais pessoas interessadas em desenvolver a comunidade negra.