julho de 2011

ADMIRÁVEL PAULA BRITO: UM HOMEM À FRENTE DE SUA ÉPOCA

Valeria Alves

 

 

 

 

 

 

 

 

Durante a Regência (1831-1840), quando D. Pedro II teve sua maioridade penal proclamada em consequência da abdicação de seu pai, D. Pedro I, os brasileiros estavam insatisfeitos com o país. O cenário político estava dividido entre os Farroupilhas e os Caramurus. Os primeiros faziam oposição ao governo liberal moderado, representavam os interesses das camadas urbanas, defendiam a descentralização do poder e a autonomia administrativa das províncias. O grupo era composto, em sua maioria, por pessoas menos favorecidas economicamente, profissionais liberais, jornalistas, escritores e artistas. Os membros do partido Caramuru lutavam pela volta de D. Pedro I ao poder, além disso, eclodiram no Brasil diversas rebeliões organizadas e planejadas por negros escravos, entre elas a Revolta dos Carrancas (1833, em Minas), a Revolta dos Malês (1835, em Salvador) e a Revolta de Manuel Congo (1838, no Rio de Janeiro).

 

Neste cenário a Tipografia Fluminense de Brito & Cia. atua como fábrica de jornais e pasquins esquentando a guerra política, tornando-se ponto de encontro de intelectuais, artistas e políticos, um espaço de sociabilidade que reunia pessoas de diferentes posições políticas, entretanto, na tipografia, os conflitos partidários cediam lugar à literatura e à arte.

 

Francisco de Paula Brito (Rio de Janeiro, 1809-1861), ou simplesmente Paula Brito, como gostava de ser chamado, deu início ao movimento editorial brasileiro. Homem negro de origem modesta e sem instrução formal foi o precursor da imprensa e do mercado literário no Brasil. Tipógrafo, livreiro e poeta, tornou-se o editor preferido da elite carioca e o principal editor da sua época. Sua livraria foi associada ao Movimento Romântico. Reuniam-se em sua loja os romancistas Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Gonçalves Dias, o compositor do hino nacional brasileiro Francisco Manuel da Silva, Casimiro de Abreu, atores como João Caetano, os jornalistas Firmino Rodrigues e Joaquim de Saldanha.

 

A arte, a política e a literatura tiveram papel fundamental na vida de Paula Brito. Considerado o primeiro empresário negro do Brasil, fundou em 1850 a Typographia Dous de Dezembro, também foi pioneiro ao publicar literatos brasileiros remunerando-os por isso. Ao todo foram 372 publicações que serviram de porta vozes do movimento literário durante o período romântico.

 

 

 

NEGRO DE “COR”

 

Embora não pertencesse ao Movimento Abolicionista, Paulo Brito ressaltava sua posição contrária à escravidão. Membro dos Farroupilhas, era defensor da igualdade racial e da garantia dos direitos civis. O editor, através de versos e prosas, usa seus pasquins para mostrar seu descontentamento com os ideais políticos que estavam surgindo no mundo e para inserir no debate a questão racial e torná-la pública.

 

Si não tem o povo nellas,
do que nós mais liberta
Si as classes não se nivellão
por huma lei d’igualdade

 

Si homem de cor nos estados
Unidos (fallemos francos)
Infeliz, não faz a barba,
Onde barbeao – se os brancos

 

 

Em setembro de 1833 Paula Brito lança o periódico O Homem de Cor, que mais tarde passou a se chamar O Mulato ou Homem de Cor. Escrito por um mulato chamado Lafuente e por outros mestiços dedicados à luta contra o preconceito racial, aclamavam em seus escritos a igualdade e o direito de todo cidadão brasileiro a ocupar cargos públicos civis e militares, sem distinção de cor.

 

 

 

 

Um homem à frente de sua época, Paula Brito percebe a importância e a força do público feminino e, em 1832, redige e publica a pioneira revista feminina A Mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada.

 

Mas é no periódico A Marmota (1849-1864) que o editor, embora salientasse que este era um jornal de entretenimento e diversão, expressa de maneira mais solta e contundente sua relação com a sociedade em que vivia, seus costumes, religião, comércio e as relações morais e éticas, e assim publica:

 

É nesta vida a Mulher
um anjo para mim;
Assim meus pais me educaram
Meus filhos educo assim;

 

Vamos, porém ao que serve,
Que o meu fim é divertir
Aos que lerem  A Marmota
Nela achando de que rir

 

Da Marmota eu fazer quero,
E pode ser que bem cedo
Uma cousa divertida
Um jornal para brinquedo

 

Portanto, lá vai mais uma
Moderna adivinhação
Que em damas bem educadas
Os homens encontrarão.

 

(Quadras do poema Eu, e as Minhas Lembranças)

 

 

 

SOCIEDADE PETALÓGICA

 

Paula Brito

 

 

Paula Brito foi o fundador da Sociedade Petalógica, um clube literário que funcionava nos fundos da casa do editor e que promovia além da discussões políticas, encontros entre poetas e músicos em saraus regados a Lundus e Modinhas.

 

Reuniam-se em torno dessa sociedade jovens talentos das letras e diversos personagens de diferentes classes sociais, inclusive o mulato Teixeira e Souza que teve o primeiro romance brasileiro O filho do Pescador (1843), publicado por Paula Brito. Vale reler um breve relato sobre a Petalógica escrito pelo escritor e historiador Manuel José Gondin da Fonseca (1899 – 1977), e relembrado pelo escritor Oswaldo de Camargo (1936), em Um Negro Histórico:

 

Nos fundos da casa de Paula Brito nasceu em uma tarde a Petalógica, sociedade sem estatutos onde toda fantasia era permitida. A palavra “Petalógica” vinha de peta, mentira, mas, naqueles dias românticos supunham-na derivada de “pétala” os não iniciados que dela ouviam falar. João Caetano ria! As petas da Petalógica! Machado ria! “ cuidavam muitos! – Diário do Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1864

 

Machado de Assis foi um ilustre frequentador da Sociedade Petalógica. Durante muito tempo foi funcionário da tipografia e, aos 22 anos, teve seu primeiro poema A Palmeira, publicado no jornal A Marmota Fluminense, de Paula Brito que, passa a ser seu editor.

 

Francisco de Paula Brito foi, sem dúvida, um artífice das letras, criativo e inventivo valorizava a literatura e a arte como nenhum outro da sua época. Considerado como um homem inteligente e apreciado por sua amabilidade, rompe as barreiras da cor e da pobreza para entrar na história como o primeiro editor negro e o principal articulador do mercado editorial brasileiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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JORNAIS EDITADOR POR PAULA BRITO

 

A Mulher do Simplício
Rio de Janeiro (1832-1846)

 

A Marmota na Corte
Rio de Janeiro (1849-1852)

 

Marmota Fluminense
Rio de Janeiro (1852-1857)

 

A Marmota
Rio de Janeiro (1857-1864)

 

 

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ALGUNS ESCRITORES BRASILEIROS EDITADOS POR PAULA BRITO

 

Casimiro José Marques de Abreu
As Primaveras (1º Edição/ 1859)

 

José Martiniano de Alencar
A Noite de São João (1860)

 

Joaquim Maria Machado de Assis
Desencantos (1º Edição/ 1861)
Queda Que As Mulheres Têm Para Os Tolos (1º Edição/ 1861)

 

 

 

 

 

Valeria Alves

VALÉRIA ALVES é antropóloga, pesquisadora e produtora cultural.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.