agosto de 2020

180 DIAS NO FRONT: IMAGENS (E MEMÓRIAS) DO PRIMEIRO FOTOJORNALISTA NEGRO DE GUERRA DO BRASIL

Nabor Jr.

 

 

 

 

 

 

fotos Ari Cândido Fernandes
capa
Jovens eritreus pré-guerrilheiros em treinamento (1979)

 

 

 

 

 

 

 

Se possível fosse abstrair a indecifrável complexidade que acompanha todos nós, seres humanos, nossas subjetividades e segredos, e me fosse confiada só e tão somente a interpretação dos gestos, olhares, silêncios e histórias contadas – que não foram poucas – das conversas que tive com Ari Cândido Fernandes nos últimos pouco mais de sete anos, e me fosse confiada a tarefa de sintetizar sua particular persona, eu diria se tratar de um sujeito intenso. Daqueles que se manifestam em alto grau. E um conjunto de experiências vividas no final da década de 1970 contribuiu muito para a expansão dessa característica que ainda hoje ressoa na vida e na obra deste fotojornalista e cineasta de 69 anos. O primeiro fotojornalista negro de guerra do Brasil.

 

 

 

Ari, ao centro, em um raro momento de descontração durante o período vivido na Eritreia

 

 

 

Nascido em julho de 1951, em Londrina, no Paraná, e filho do casal Maria do Carmo de Jesus Fernandes e João Cândido Fernandes, respectivamente doméstica e pequeno comerciante, Ari, por volta dos seus 20 anos, recém ingresso na Universidade Nacional de Brasília (UNB), onde planejava estudar música e cinema, ao passo que sua postura cada vez mais altiva de oposição a ditadura militar ganhava novos contornos na ainda jovem cidade, também via avançar sob a sua pele miscigenada o recrudescimento das ações opressoras estabelecidas pelo regime. E num movimento anteriormente inaugurado por intelectuais e perseguidos políticos do período, exila-se na Europa, onde reside na Suécia e, posteriormente, na França.

 

Cândido retornaria ao Brasil somente em fins de 1979, com a promulgação da Lei da Anistia, radicando-se em São Paulo, onde permanece até hoje. À época do seu retorno integrou o Movimento Negro Unificado (MNU), do qual se desligaria em 1982; chefiou a Assessoria para Assuntos Afro-Brasileiros, na Secretaria de Estado da Cultura, em São Paulo; lecionou fotojornalismo na Universidade de Taubaté e na Faculdade Cásper Libero, dirigiu curtas-metragens, participou de exposições fotográficas, dedicou-se a luta antirracista ao seu modo… Atualmente, está em vias de finalizar um livro que pretende publicar ainda este ano com alguns dos seus roteiros para cinema por ora não filmados.

 

 

 

1971/1977: O CREPÚSCULO

 

Ao sair fugido do Brasil, em 1971, deixando para trás uma passagem pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) de Londrina e uma ameaça de ser preso e processado pela Lei de Segurança Nacional em razão de um quiproquó ocorrido na UNB, Ari Cândido teve como primeira morada a Suécia, onde apesar das dificuldades com o clima e idioma, conseguiu dar continuidade ao seus estudos em cinema e fotografia, além de realizar pequenos filmes.

 

 

 

Ari encantou-se quando viu a neve pela primeira vez. Pela janela do seu quarto, no subúrbio de Estocolmo, o registro de mais um dia frio na capital sueca

 

 

 

“Deixei o Brasil via Rio de Janeiro, nas asas da Cia. Aerolíneas Argentinas, através de uma organização de intercâmbio religioso, direto pra Suécia. Em Estocolmo fui morar com um padre da organização de recepção a estrangeiros no país. Estudei sueco na ArbetsFörMedlingen (espécie de entidade de Serviço Público de Emprego), aprendi fotografia, também cursei cinema e alguns outros cursos culturais. E ora, ora… fui vizinho de uma casa que, ainda hoje, me lembro a curiosidade fez-me subir pelas suas escadas de madeira localizada a sua frente até pode ler: Le Cinematographe. Depois, pelas poucas palavras que conseguia pronunciar e gesticular em sueco, fiquei sabendo que aquela era a casa de nada mais, nada menos, do que de Ingmar Bergman. Incrível! Era o mesmo cineasta cujos filmes, como Morangos Silvestres, O Sétimo Selo, entre outros, assistira nas sessões de cineclubes que agitava nos finais dos anos 1960 e início da década de 1970, tanto em Londrina, como em Brasília. Sempre o via limpando a neve do para-brisas de seu carro Volvo azul escuro. Eu passava por ele e, ele, de boina preta, me notava, mas nem levantava os olhos para cumprimentar-me. Fui entendendo que a Suécia é isso mesmo, difícil de relacionar-se à primeira vista. De modo geral é um povo reservado. Ainda na Suécia realizei os meus primeiros experimentos cinematográficos em Super 8, realizando alguns filmes de solidariedade para países africanos (Angola – MPLA, Guiné-Bissau e Cabo Verde – PAIGC, Moçambique – FRELIMO, etc.), e como apoio da organização humanitária EMNAUS em que trabalhara voluntariamente. Em 1972, conheci o poeta e presidente do MPLA (posteriormente presidente da Angola libertada do colonialismo português), Agostinho Neto, em um congresso da ONU e da OUA (Organização da Unidade Africana), realizado em Oslo, na Noruega. Em um encontro que contou também com a presença de outras lideranças africanas como Marcelino dos Santos (presidente honorário da FRELIMO) e Vasco Cabral (do PAIGC)”.

 

 

 

 

 

 

“Deixei a Suécia de carona com uma amiga rumo a França. Redemoinhos  rodopiavam meus pensamentos, enquanto o volks em que estávamos agora avançava pelo asfalto dinamarquês em direção à Holanda, onde iríamos tomar um outro navio e atravessar o mar em direção à Inglaterra. E depois da Inglaterra, de volta a travessia de mar para finalmente ‘aterrissar’ de fusca creme no solo francês de Calais, cidade á beira mar e região histórica da Europa. Antes, porém, ainda fomos surpreendidos numa noite em Amsterdã, por um pesado nevoeiro – o que nos fez estacionar e parar incontinente o carro. Dormimos dentro do fusca. Fomos acordados de manhã pelas luzes azuis rodopiantes da sirene de um automóvel da Politei (Polícia) holandesa. Estávamos simplesmente estacionados no meio de um parque! Explicamos que não víamos nada à frente e paramos onde paramos. Mostramos os passaportes e seguimos em direção a travessia para a Inglaterra. No caminho, sempre era despertado dos pensamentos; seja para uma conversa, por olhares, por um  pedaço de chocolate em barra ofertado, pela banana, pelo pão, pela troca de músicas no toca-fitas do fusca… Uma viagem agradável e cheia de ‘memórias encafifadas’… Estava alegre, mas tenso, afinal estava indo para outro país que não conhecia, saíra direto do Brasil para a Suécia. Mas, em todo caso sabia que estava indo para uma cidade que tinha estudantes, artistas, filósofos, etc… E o melhor, já não seria preciso ser operário nas fábricas suecas, muito menos estivador no porto velho de Slussen, em Estocolmo. Ou ainda, enfermeiro de loucos, nem lavador de pratos em restaurantes. Nem babá de crianças (mas que ensinaram-me as primeiras pronúncias do difícil vocabulário da língua sueca).  E nem enfrentar as reuniões chatas de brasileiros e todos muito desconfiados de todos… Nem o futebol de peladas meio forçadas que lá praticávamos. Nem as festas que você tinha sempre que levar o vinho que você mesmo iria beber. Nem ser parado nas ruas pra que você comprasse bebidas para algum sueco ‘impedido’ de comprá-las… numa companhia estatal de nome System. Nem matar curiosidade sexual de ‘curiosas’. Nem de ter que arrancar folhas da lista telefônica no inverno e enfiá-las num fogão de ferro para esquentar-me nos frios congelantes do seus invernos, no pequeno barraco que morava na rua Yttersta Tvärgränd, em que espiei atento e deslumbrado parte das filmagens do filme de Os Imigrantes, baseado na obra Utvandrarna, de Vilhelm Moberg. E isso reforçava-me a certeza da ideia teimosamente fixa de que não iria livrar-me tão cedo do querer fazer cinema”.

 

 

 

Entre os anos de 1972 e 1973, durante aproximadamente seis meses, Ari trabalhou como entregador de refeições e auxiliar de limpeza em um hospital psiquiátrico em Estocolmo: “o salário era bom.. e também era uma maneira de integrar-me e entender um pouco mais sobre a sociedade sueca”.

 

 

 

180 DIAS NO FRONT

 

O incompleto decênio vivido na Europa foi inconstante, instável, incerto, perigoso, inesquecível; deixou consequências físicas, emocionais, boas e más recordações… mas nada comparado ao turbulento período que Ari define como a sua “mais intensa experiência de vida”, referindo-se a cobertura dos conflitos armados que fez na Eritreia, República Árabe Saaraui Democrática (na região do antigo Saara Espanhol) e Irã, entre os anos de 1978 e 1979.

 

Ari talvez não soubesse, mas  concomitantemente as hostis caminhadas a pé, as noites mal dormidas no chão de barro batido, a escassez de alimentos, o frio e o calor extremos, o medo, ou quando adoeceu: “contrai duas malárias e quase morri”, ele estivesse se tornando o primeiro fotojornalista negro de guerra do Brasil, e também um dos fotojornalistas brasileiros pioneiros neste segmento da fotografia profissional.

 

 

 

Identificação da Agence de Diffusion Photographique, de Paris: arrependo-me de não ter fotografado ainda mais

 

 

 

Entre 1978 e o início dos anos 1980, Ari teve suas fotografias de guerra e conflitos sociais publicadas e distribuídas em mais de 45 países, de maneira periódica, através das agências Gamma, de Paris, e Câmera Press, de Londres. Vendeu imagens para o jornal Washington Post e para revista brasileira Veja. Além de ter publicado, como correspondente, inúmeras fotos e reportagens nos jornais militantes Em Tempo e Movimento. “Fui convidado pela revista francesa Paris Match, para fotografar a guerrilha no Saara Ocidental (ex-Saara Espanhol), em guerra com o Marrocos”, recorda-se.

 

 

 

Foto de Ari publicada no jornal Libération, de Paris, em 1979. O histórico jornal que circula até hoje foi fundado por Jean-Paul Sartre

 

 

 

Dispersas entre as páginas de grandes e pequenos periódicos que circularam pelo mundo entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, as fotos que Ari fez na Eritreia, Saaraui e Irã estão sendo veiculadas em conjunto pela primeira vez neste ensaio. Algumas dessas imagens estão no já esgotado Eritreia – uma esquecida guerra de libertação africana, publicado em 1986, pela Edicon, com prefácio de Clóvis Moura.

 

 

 

Documento emitido pela Agência Gamma em nome de Ari: “em 1978 fui para Cuba fotografar pela Gamma o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes”, recorda-se.

 

 

 

Além do diário visual dos conflitos que registrou, compartilhamos também depoimentos do fotojornalista sobre a sua experiência na cobertura de guerra e dos seis meses intensos que marcariam pra sempre a sua vida e, porque não dizer, do fotojornalismo brasileiro.

 

 

 

Teerã

 

 

 

 

FOTÓGRAFOS NEGROS NO BRASIL 

 

Artista das imagens, Ari Cândido Fernandes tem uma produção fotográfica contida, e especialmente vinculada a direção cinematográfica. Diferentemente de outros fotógrafos negros contemporâneos ao veterano diretor, que edificaram suas carreiras com robustas contribuições a documentação visual da população negra dos anos 1960, 70, 80, até os dias de hoje – tais quais Walter Firmo, Januário Garcia e Wagner Celestino (menção honrosa a Mário Espinosa); Ari flertou por poucos anos com o fotojornalismo. O auge da sua produção fotográfica se deu entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980. O sonho de Ari sempre foi fazer cinema.

 

Ari não é um caso isolado de profissionais que “apenas” passam, com potência, pela fotografia. Luiz Paulo Pires Lima, fotógrafo gaúcho radicado em São Paulo, por exemplo, que após cerca de 20 anos dedicando-se a fotografia autoral e ao fotojornalismo, com imagens vinculadas em jornais como O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, e O Estado de São Paulo (há imagens suas em acervos como o do Museu Afro Brasil, bem como é um dos artistas presentes na Enciclopédia Itaú Cultural), passou a dedicar-se no início dos anos 2000 à publicidade, a vida acadêmica e ao estudo das chamadas novas mídias, deixando a fotografia em segundo plano.

 

Apesar de meteórica, a contribuição de Ari Cândido ao fotojornalismo de guerra, por sua real e estreita relação com periódicos da época, por ser um dos raríssimos fotojornalistas brasileiros negros dedicados a cobertura de conflitos armados, e também por ser um dos fotógrafos brasileiros pioneiros na cobertura de guerra, merece estar inserida na história da fotografia no Brasil.

 

 

 

MEMÓRIAS DE GUERRA

 

Eritreia

 

 

 

“A guerra de guerrilhas é um recurso extremo do oprimido, usado contra forças políticas, econômicas, sociais e militares esmagadoramente superiores às que possuem os dominados. No Brasil ela foi usada largamente, fazendo, mesmo parte da nossa tática de luta contra as estruturas de poder dominantes. Usamos as guerrilhas como força auxiliar dos quilombos, na luta contra os holandeses, em movimentos como a Balaiada, a Cabanagem, a Sabinada, em Canudos e no Contestado, em lutas de cangaceiros e no Araguaia recentemente”, Clóvis Moura, no prefácio do livro Eritreia – uma esquecida guerra de libertação africana.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“…os ventos sopraram exterminadores nesse pedaço sofrido e esquecido da África desde minha visita à Eritreia, em 1979, carregando consigo muitas mortes e miséria na guerrilha mais longa da África”.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“Uma tempestade de areia eleva-se até as nuvens transformando suas tradicionais cores brancas num marrom escurecido. A carcaça do avião da Sudan Airlines trepidava. Mas enfim, o avião aterrissou. Do asfalto do aeroporto modesto subia um calor que entrava pelas narinas, nada menos de 45°C do último dia do mês de maio de 1978, em Khartoum. Dois mulatos sorridentes faziam sinal no meio da massa de abraços e gritos elevados de sudaneses no hall de espera dos passageiros. Após as formalidades aduaneiras, facilitadas pelos dois mulatos que me apontavam na fila de passageiros para as autoridades, subimos num automóvel com as narinas e os cabelos embabuçados de areia, em direção a um modesto hotel sudanês, que não deixava de ter ventiladores no teto. Os carregadores eram eritreanos discretos, talvez contatos da Frente de Libertação Eritreana (FLE). Os mulatos incumbidos do meu acompanhamento, despediram-se depois de terem seguidas vezes repetido boas-vindas sorridentes ao primeiro latino-americano que iria conhecer seu país em guerra de libertação nacional há mais de 19 anos.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“Um ônibus vermelho (Fiat) rodou até a fronteira eritreana-sudanesa. Foram 13 horas de areião com um sol braseiro que parecia não querer se esconder mais. O trajeto foi Kharthoum-Haifa-Kassal. A noite foi passada na Guest House (casa de hóspedes) da Frente. De manhã entabulou-se uma conversa em inglês com o representante da Frente de Kassal para o passaporte a ser formalizado, obtendo autorização das autoridades de segurança sudanesa para entrada na Eritreia”.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“Um jeep Land Rover inglês rolou a noite até Aleit, quartel-general do Bureau Político do FLE. Ao atravessar uma linha de ferro, depois de 30 minutos de trajeto, o motorista anunciou que estávamos da Eritreia. Tirou de baixo de seu banco uma pequena sacola verde e trocou a roupa de civil por um uniforme esverdeado-camuflante de combatente, repousando seu Colt-38 americano, do lado direito do corpo. Era o primeiro sinal de que esta terra estava em luta armada”.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“A Eritreia está, geograficamente, situada entre o mundo africano e o mundo árabe. Até hoje o seu povo e sua luta sofrem interferências sobre a vontade de decidirem por si sós o próprio destino político e econômico do país”.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“Nos colocaram atrás de uma cerca, enquanto discutiam sobre três soldados etíopes desertores que acabavam de aprisionar rondando nossa trilha de caminho. Levaram-nos, junto com os desertores, para dentro de uma cabana, onde guerrilheiros e armas se empilhavam. Ainda não tinha amanhecido completamente quando saímos, numa coluna apressada em direção à Mandafara. Bombas explodiam no meio da cidade. Avistávamos. Guerrilheiros corriam em direção abaixo. Um festival de tiros de todos os calibres se intensificava. Gritos-uivos de mulheres, na cidade embaixo de nós. A cidade tinha sido libertada, o inimigo tinha escapado na noite tentando atingir a fronteira etíope. Mulheres choravam e me abraçavam confundindo-me com um guerrilheiro. Um enorme alarido humano subia aos ares, o lugar em que o inimigo escondia a munição explodia seguidamente, tinham ateado fogo lento antes de terem partido”.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“Foram 45 minutos de tiroteio. As bombas caíam a 1 km de onde eu estava. Pela primeira vez senti um enorme… deixe-me ver, creio que em língua ‘brasileira’, o certo é dizer cagaço”.

 

 

Eritreia

 

 

 

“…quando um colonizador se impõe, serve-se de várias táticas. A primeira que usa para colonizar ou anexar é a eliminação da história cultural e linguagem do povo que pretende dominar. O grupo toma todas essas considerações, como parcela da luta eritreana, organizando uma cultura e um método que represente e enquadre a Nova Eritreia que querem construir a partir das zonas libertadas”.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

“Após uma apresentação do Grupo Musical da Frente de Libertação da Eritreia, numa noite iluminada pela eletricidade do gerador a gasolina que roncava a algumas centenas de metros, competindo com uma bateria, duas guitarras e dois saxofones amarelados, fora os instrumentos locais tradicionais, nós partimos. Num Toyota verde, certamente capturado ao inimigo em alguma emboscada, rodamos entre árvores espinhosas espantando coelhos com os fachos dos faróis, em direção  ao Escritório de Informação, que iria traçar meu programa de visitas. Stefanios, o motorista, não perdeu a oportunidade de quebrar sua curiosidade – reflexo do isolamento do resto do mundo em que a luta colocou a Eritreia. Fuzilou-me  com perguntas, em italiano, sobre o Brasil, sua história, tipo de regime, seu povo, cultura, sobre o ‘Che’ e os negros brasileiros”.

 

 

 

Eritreia

 

 

 

Ainda na Eritreia, Ari realizaria um longa-metragem Pela Eritreia e um curta-metragem Por que a Eritreia?, em co-produção francesa-tunisiana.

 

 

 

A capa do filme Porquê a Eritreia?: “sempre sonhei fazer cinema”.

 

 

 

“Saltei da cama, pois, tinha passado uns bons minutos, com o olhar meio estatelado, perguntando a mim mesmo, que diabo farei agora, com câmera na mão e o coração também (minha câmera era meu sustento, apertava-a fortemente quando o medo, incerteza ou emoção invadiam-me). Não eram os comandos, que alegre notícia! No dia do início da luta armada na Eritreia, em 1 de setembro de 1961, a cidade sitiada onde tinha estado com a artilharia da FLE – Agordat acabava de ser libertada, no mesmo dia – dupla comemoração, a maioria dos guerrilheiros atirou para o alto. Meus ouvidos ensurdeceram… O ronco do avião da Air Egito acordou meu corpo, lembrando-me que trazia comigo a malária em dose dupla (dois vírus denominados cientificamente Vivax e Phalsiparon). Estava aterrissando no aeroporto internacional de Paris, que foi também meu ponto de partida”.

 

 

 

Ari, na Eritreia

 

 

 

ERITREIA: HISTÓRIA RECENTE

 

Entre os anos de 1890 e 1942, a Eritreia foi uma colônia italiana. Este domínio perdurou até a Segunda Guerra Mundial, quando o Reino Unido tomou o poder do atual território eritreu. Já o longo conflito entre a Eritreia e a Etiópia iniciou pouco tempo depois, com a retirada das potências europeias da Eritreia ocupada no início dos anos 1950. Neste momento, a Etiópia, sem litoral, reivindicou a terra de seu vizinho costeiro, resultando em uma guerra civil que começou em 1961 e durou três décadas.

 

Em 1993, em um referendo supervisionado pela ONU, os eritreus votaram pela independência da Etiópia. Desde então a Eritreia é um Estado de partido único, governado pela Frente de Libertação do Povo Eritreu (FLPE) – antecessora da atual Frente Popular pela Democracia e Justiça (FPDJ), e jamais realizou eleições legislativas nacionais.

 

Recentemente, em julho de 2018, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, anunciou a normalização das relações do seu país com a Eritreia, após um encontro histórico com o presidente da nação vizinha que teve como objetivo exatamente acabar com as décadas de hostilidade. Na ocasião, a Etiópia cedeu à Eritreia um território fronteiriço disputado entre os dois países, movimento que levou à assinatura de um pacto de paz. Pelo gesto, Aby Ahmed recebeu o Nobel da Paz em 2019.

 

Apesar dos sinais de boa vontade, críticos afirmam que nada mudou, de fato, entre as duas nações. As passagens na fronteira entre a Etiópia e a Eritreia foram abertas em 2018, mas, a Eritreia logo fechou a fronteira novamente. Analistas suspeitam que a Eritreia, que tem controle praticamente completo sobre seus cidadãos, está protelando, devido a temores de reformas mais amplas.

 

Obviamente que são os eritreus os quem mais sofrem com os constantes conflitos. O país segue como uma sociedade muito pobre, que não oferece oportunidades de emprego aos seus jovens, onde menos de 1% da população de 5,6 milhões de pessoas tem acesso à internet. Estado autoritário unipartidário que proíbe que grupos políticos se organizarem, o país, segundo levantamento do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), de 2019, ocupou a liderança do ranking de países onde a imprensa sofre maior grau de censura por parte do governo.

 

“Pode-se fingir que não há nada, fechando os olhos perante a realidade em nome de interesses geoestratégicos e económicos. Ou então se pode dar voz e conteúdo, e com força, aos valores da liberdade, democracia, justiça, solidariedade”, escreveu em apelo à comunidade internacional o Padre Mussie Zerai, sacerdote da eparquia de Asmara, em carta aberta para denunciar a difícil situação do seu país, em outubro de 2018.

 

 

 

OUTROS CONFLITOS: TEERÃ E SAARA OCIDENTAL

 

Ari Cândido esteve na Guerra da Areia, no ex-Saara Espanhol, quando passou cerca de um mês com membros da Frente Polisário da República Saaraui Democrática (R.A.S.D), em guerra com o Marrocos. O brasileiro esteve também no Irã, no final de 1979, entre os meses de novembro e dezembro. Na capital, Teerã, onde registrou manifestações que reuniam mais de 1 milhão de pessoas. Ari esteve ainda no interior no país, em cidades como Jazd, onde ficava a sede dos líderes Ayatholas.

 

 

 

Teerã

 

 

Teerã

 

 

Teerã

 

 

Teerã

 

 

Teerã

 

 

Saara Ocidental

 

 

Saara Ocidental

 

 

Saara Ocidental

 

 

Saara Ocidental

 

 

Saara Ocidental

 

 

 

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Nabor Jr.

Nabor Jr. é fundador-diretor da Revista O Menelick 2° Ato. Jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, também atua como fotógrafo com o pseudônimo MANDELACREW.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.