agosto de 2015
ONESTO: APROPRIAÇÃO DE UM ESPAÇO
Alex Hornest
fotos CLARISSA PIVETTA
As áreas em que eu pudesse me expressar sempre existiram no bairro que eu morava mas não as enxergava, certamente por falta de imaginação ou direcionamento. Dentro de mim estavam enraizadas dúvidas e questões que me impediam dar os primeiros passos em direção ao meu destino.
No começo da minha carreira (se posso dizer que tive um), pintar ou desenhar sempre pareceram as coisas mais naturais do mundo, enquanto que imaginar um dia pertencer ao mundo dos holofotes ou sonhar com minha arte ganhando o Mundo nunca foram algo que passariam pela minha cabeça. Enquanto que submeter a minha adolescência a inúmeras experiências profissionais (alguns sub-empregos) foi de grande valia para que eu pudesse discernir o meu caráter e as cosais que realmente me interessavam, em meio a tantas possibilidades e meios proporcionados pelo início dos anos 90.
Saber um pouco de tudo que estivesse ao meu alcance sempre foi algo muito mais atrativo do que tentar bater de frente logo de encontro ao meu destino. O novo, o diferente e o inusitado se mostravam desafiadores e muito mais interessantes do que tudo.
Saber um pouco de tudo que estivesse ao meu alcance sempre foi algo muito mais atrativo do que tentar bater de frente logo em direção ao meu destino. Me despertava grande interesse e parecia ser muito mais desafiador o novo, o diferente e o inusitado. Sempre fui motivado a navegar na direção contrária.
Tudo que me diziam que era proibido ou além da minha capacidade se revelava extremamente fascinante e, de forma alguma, compactuava com o que o bairro de São Miguel Paulista (Zona Leste de São Paulo) me oferecia naqueles tempos.
O centro da cidade me atraía em meio ao movimento diário. Prédios, praças, ruas, avenidas e vielas… Tudo era fascinante e logo o graffiti surgiu em minha vida como algo novo e diferente que eu – no primeiro momento – acreditei que seria capaz de fazer. Nessa época, exercia a profissão de office-boy e ao me deparar com o primeiro Graffiti em uma via pública me despertou algo mágico atuando como um divisor de águas. A partir daquele momento minha mente expandiu e vi aumentar as possibilidades de projeção do dos meus desenhos. Ali deslumbrei a via que um dia poderia ser um dos meus maiores meios de expressão artística.
Não durei muito na profissão de office-boy. Fui subindo de cargos dentro da empresa por sempre me mostrar apto em exercer outras funções. Mesmo trabalhando de segunda a sexta e estudando a noite, arrumava tempo para estudar sobre tudo e qualquer outro assunto que me fascinava. Nos finais de semana procurava locais de interesse para frequentar e ainda encontrava tempo para realizar outras atividades – não só pintar ou desenhar – como praticar skateboard, fazer fanzines e frequentar salas de cinema que exibiam filmes alternativos.
Considerava algo sagrado o aprimoramento das minhas atividades. Me embrenhar em metalúrgicas, mecânica de motos, agencias de propaganda, produtoras de vídeo, agencias de turismo, escritórios, empresas de tecnologia e até mesmo nos Correios trabalhando como carteiro, me serviram como as faculdades que eu nunca fiz. Sempre optei em aprender sobre qualquer ofício colocando a mão na massa para depois saber sobre a teoria. Acredito que isso me rendeu alguns grandes atalhos. Minha mente criativa e geniosa me impulsionava a se destacar em qualquer área e logo percebi que poderia encurtar qualquer caminho na direção do que desejasse ser como profissional.
O elemento surpresa, o improviso e a arte incipiente que pode surgir em meio ao caos se tornaram ferramentas para um jovem artista embalado por toda aquela atmosfera vinda dos anos 90, e me fizeram criar e pensar de forma diferente o como eu poderia ser e reagir perante a diversidade e as descobertas que eu viria ter.
Não deixava que minhas limitações se tornassem dificuldades para tudo aquilo que eu almejava. Estudando muito e mantendo disciplina, logo percebi que essas atitudes me serviriam como mecanismos de superação. Se algo tinha que ser feito eu logo encontrava meios de executar e fazer da melhor forma possível para que minha ação não passasse desapercebida.
Aprendi rápido que observar, ouvir e aprender era melhor do que tentar fazer tudo logo de cara. Mesmo assim, manter esse tipo de postura foi bem difícil em um período onde tantas coisas incríveis estavam acontecendo em frente aos meus olhos de adolescente. Desejava fazer tudo! Procurar não tirar conclusões apressadas sobre qualquer fato ou assunto que me chamavam atenção me deram fundamentos para poder pensar e criar meu próprio repertório sobre qualquer assunto. Não tomar conclusões apressadas me ajudaram – e muito – para que eu pudesse criar minha própria identidade como artista. Essa forma de pensar e de agir abriram margens para que eu percebesse que a minha arte não poderia ter os mesmos moldes dos artistas que eu admirava na época.
Com isso percebi que um dos grandes desafios para que eu pudesse me destacar entre os demais seria não apenas as minhas pinturas e sim onde eu as realizaria. Esse se tornou meu grande desafio/exercício de finais de semana.
Ao longo do tempo percebi que a base para o meu aprimoramento estava logo ali ao meu lado dentro dos lugares que eu negava: – As periferias. Na início não tive a maturidade para perceber isso. Minha percepção me guiava para caminhos opostos devido a tantas referencias e influências ruins que surgiam dali. Era uma época difícil tanto de aprendizado quanto de dificuldades financeiras e com isso meu bairro se mostrava como um local desinteressante e frio, perante a exuberância que era o centro de São Paulo. A periferia era meu lar mas não admitia que seria o meu palco. Imaginava que se eu permanecesse ali, aquele lugar se tornaria o meu túmulo.
Era um pensamento equivocado, tanto que hoje, vejo que são nesses lugares que a minha arte se destaca e se engrandece me motivando a atuar cada vez mais nesses espaços.
Ao longo dos tempos tomei consciência que meu trabalho não se destacava em meio a paisagem, e sim a complementava passando a fazer parte do entorno. Isso era o que me agradava e me estimulava a pintar: – Trazer algo novo para as precariedades arquitetônicas do improviso, impostas pela necessidade de sobrevivência dos habitantes das grandes cidades.
Dessa forma, efetuar trabalhos sistematicamente em bairros afastados usufruindo da arquitetura se tornou o meu diferencial. Percebi que não era apenas o que eu deixava ali como arte e sim o como eu realizava aquilo que “elevava” o meu trabalho e o possibilitava atingir outras formas de exibição/ apreciação.
Nas periferias a minha arte se torna um descanso, um refúgio para os olhos fatigados de tanto agito, afazeres e informação por muitas vezes desnecessária. Hoje compreendo que pessoas que não conseguem usufruir dos grandes centros como também a um equipamento de cultura e lazerenxergam no meu trabalho um acesso rápido a uma arte pública de qualidade que é realizada próximo dos – e por muitas vezes em – seus lares.
Frequentar ambientes inóspitos ou lugares mais sofisticados aos meus olhos todos se tornam mágicos, sem regras e sem compromissos perante a minha conduta. Acredito ter informação suficiente do que realmente sou e do que me proponho sempre a fazer como artista. Essa postura me permite apreciar e degustar de qualquer tipo de atmosfera para poder tirar um melhor proveito de qualquer situação se apropriando ou acrescentando alguma espécie de beleza nesses ambientes.
Confesso que no passado ignorei toda a cultura e os valores vindos das periferias. Coisa que hoje tanto aprecio. Foi com muito treino que pude abrir meus olhos para o que me era oferecido. Isso me fortaleceu e me ajudou a ganhar o Mundo e ir além dos meus conhecimentos direto ao encontro de tudo aquilo que eu almejava.
Se hoje tenho condições intelectuais para poder digerir com mais respeito e facilidade a diversidade que aflora dentro e fora das periferias é porque no passado nada disso me servia. Poder voltar as minhas origens e estar com os meus se torna muito mais gratificante e prazeroso, recebendo o apoio daqueles que enxergam em minha trajetória alguma forma de incentivo e de esperança para os que querem trilhar os mesmos caminhos.
Receber um elogio pelo trabalho que venho desenvolvendo me serve como uma das inúmeras recompensas que ganho diariamente. Poder inspirar outros que ainda vivem esse mesmo sonho me torna o artista que eu sempre acreditei que poderia ser. Um dia me disseram que arte, unida a educação e a disciplina poderiam mudar a minha vida ou a de qualquer pessoa que acreditasse nisso. Nunca duvidei mas hoje tenho essa constatação pois bons artistas trabalham para saciar seu próprio ego, sempre se aprimorando, com muito esforço, dedicação e paixão pelo que fazem. Enquanto que os maus apenas aproveitam os momentos sem se preocuparem se deixarão algum legado.
O ponto fundamental da minha carreira me veio a tona quando percebi que poderia realizar arte pública sem causar nenhum ônus para quem desejasse apreciá-la. Isso fez com que o meu trabalho tivesse coerência e continuidade para que eu pudesse estar sempre em busca de novos desafios.
Levar a minha arte para lugares que acredito fazer mais sentido se torna o meu prémio após vencer batalhas comigo mesmo que me obrigavam a estar sempre afirmando a todos que eu realmente era um artista em um país que não acredita na união e na educação de um povo como metas para o seu aprimoramento.
Vejo que muita coisa mudou desde então e que felizmente alguns valores culturais cultuados pela maioria estão caindo e isso ajuda e muito aos poucos aventureiros e sonhadores assim como eu.