abril de 2011
AMOR E SEXO, SEGUNDO CRUZ E SOUZA: UMA ENTREVISTA PÓSTUMA
Nabor Jr.
ilustrações Danilo Pêra
Cento e cinqüenta anos após a sua morte (faleceu no dia 24 de novembro de 1861), procurei o poeta Cruz e Souza para uma entrevista.
Caso o nosso bate-papo não lhe pareça muito atraente, não ponham a culpa exclusivamente no repórter. Afinal o entrevistado não dá entrevista há, pelo menos, 150 anos.
***
O MENELICK 2º ATO – Seu Cruz! A escravidão acabou!
CRUZ E SOUZA – Para Sempre?
O MENELICK 2º ATO – É triste dizer isso, mas, mesmo com o fim da abolição o negro ainda é visto como um ser inferior. Acredita que você, o Cisne Negro, um dos precursores do simbolismo no Brasil é praticamente desconhecido da população?
CRUZ E SOUZA – Triste, bem triste.
O MENELICK 2º ATO – Algum dia teve raiva ou rancor do povo brasileiro por esse desconhecimento da nossa própria históra?
CRUZ E SOUZA – Nem um dia sequer, nem um só dia.
O MENELICK 2º ATO – É que você tem um bom coração. Mas a verdade é que embranqueceram nossa história seu Cruz. Assim, é imprescindível que comecemos esta conversa com a seguinte pergunta: Como podemos defini-lo?
CRUZ E SOUZA – Um riso que atravessa séculos como o de Voltaire.
O MENELICK 2º ATO – Aprecio o modo como trata o sensualismo e a estética romântica na sua obra. O que você pensa do homem que não ama?
CRUZ E SOUZA – Estás morto, estás velho, estás cansado!
O MENELICK 2º ATO – Você deve ter sido um cara que amou muito.
CRUZ E SOUZA – O amor é uma escada que tem uma extremidade na glória e outra no abismo
O MENELICK 2º ATO – Como assim?
CRUZ E SOUZA – É como o cáustico; cura mas deixa os sinais evidentes.
O MENELICK 2º ATO – Mas, você amou muito ou não?
CRUZ E SOUZA – Sim!
O MENELICK 2º ATO – Também foi amado?
CRUZ E SOUZA – Só raramente, por singularidade, uma ou outra mulher ama o artista
O MENELICK 2º ATO – Que péssimo. Quer dizer, pra quem tanto amou como o senhor…
CRUZ E SOUZA – Pensa-se fatalmente na morte…
O MENELICK 2º ATO – Imagino e não desejo isso nem pro meu pior inimigo. O que é o amor pra você?
CRUZ E SOUZA – Chama secreta que nas almas passa. E deixa nelas um clarão sidéreo.
O MENELICK 2º ATO – Etâ cabra romântico! O que mais gosta em uma mulher?
CRUZ E SOUZA – Tudo!
O MENELICK 2º ATO – Boa! Vou formular a pergunta novamente. O que não pode faltar em uma mulher?
CRUZ E SOUZA – Sangue quente.
O MENELICK 2º ATO – Concordo. E mais o que?
CRUZ E SOUZA – A chama do teu corpo
O MENELICK 2º ATO – Caramba! Gosta da fruta mesmo. Existe algo melhor que mulher?
CRUZ E SOUZA – Nem a lua, nem as estrelas
O MENELICK 2º ATO – E se não for para estar com uma mulher, o que prefere ficar fazendo?
CRUZ E SOUZA – Fumando cachimbo e bebendo cerveja
O MENELICK 2º ATO – Aprecio uma cervejinha também. Mas acho melhor voltarmos para as mulheres. E pra onde você ia quando encontrava uma mulher que lhe interesasse?
CRUZ E SOUZA – Na colina da vila trepada
O MENELICK 2º ATO – O que rolava lá?
CRUZ E SOUZA – Tudo!
O MENELICK 2º ATO – Lembra quando foi a última vez que…
CRUZ E SOUZA – Foi numa dessas noites taciturnas. Foi num momento de saudade e tédio. De grande tédio e singular Saudade
O MENELICK 2º ATO – Quem foi a vítima?
CRUZ E SOUZA – Julieta dos Santos
O MENELICK 2º ATO – Belo nome. O que ela tinha de especial?
CRUZ E SOUZA – As harmonias deliciosas da tua carne
O MENELICK 2º ATO – Desculpa a pergunta, mas fiquei curioso. Na intimidade, o que vc dizia pra ela e que possa ser publicado, é claro.
CRUZ E SOUZA – Lá vem a loba que devora os sonhos
O MENELICK 2º ATO – Eitâ! Como ele te respondia?
CRUZ E SOUZA – Tu és o louco!
O MENELICK 2º ATO – E depois, rolava um sentimento?
CRUZ E SOUZA – Às vezes
O MENELICK 2º ATO – Como assim?
CRUZ E SOUZA – És flor, mas como flor és perigosa.
O MENELICK 2º ATO – Entendi. O senhor é daqueles que pega mas não se apega, né.
CRUZ E SOUZA – Não conheces a sombra e os golpes da emboscada.
O MENELICK 2º ATO – Pior que conheço viu seu Cruz. Quem nunca sofreu por amor, né. Nada melhor do que a liberdade não acha?
CRUZ E SOUZA – Sim! Sim!
O MENELICK 2º ATO – Qual o significado dela pra você?
CRUZ E SOUZA – Andar mais puro, mais junto à natureza e mais seguro.
O MENELICK 2º ATO – Nada como a solteirice né seu Cruz. Você é bem malandro…
CRUZ E SOUZA – Eu sei disso!…
O MENELICK 2º ATO – Pô, seu Cruz, o papo tá bom mas temos que encerrar por aqui. Quer deixar algum recado?
CRUZ E SOUZA – Quando te abraçarei na Eternidade?!
O MENELICK 2º ATO – Que papo é esse?
CRUZ E SOUZA – O mundo para ti foi negro e duro
O MENELICK 2º ATO – Olha, por culpa da minha melanina, negro ele sempre foi. Agradeço o convite mas estou muito bem aqui.
CRUZ E SOUZA – Junto da Morte é que floresce a Vida!
O MENELICK 2º ATO – Seu Cruz, na boa, pode florescer até nota de 500 reais. Ainda sou muito novo. Obrigado pelo convite
CRUZ E SOUZA – Podes andar no mundo sem receio
O MENELICK 2º ATO – Amém!
As respostas estão contidas nas seguintes publicações do poeta Cruz e Souza: Broquéis (1893), Missal (1893), Tropos e Fantasias (1885), Evocações (1898), Faróis (1900), Últimos Sonetos (1905) e o Livro Derradeiro.
Inspirado no texto “Entrevista Póstuma com Noel Rosa”, realizado pelo jornalista Sérgio Cabral para o jornal O Pasquim, em 1973.