março de 2016

SOBRE O PRIVILÉGIO DE CEDER O PUXADINHO OU, REFLEXÕES ACERCA DA PRESENÇA NEGRA NO MITSP

Je Oliveira

 

 

 

 

 

 

fotos Franck Pennant / AFP / Getty Images

 

 

 

 

 

 

 

Pois é:

 

“Diretor executivo da MITsp, Guilherme Marques estava visivelmente impactado ao fim do protesto. Ao UOL, afirmou que o evento escolheu dar apoio à ação, que foi incorporada à programação do festival, que deu condições técnicas para que ele ocorresse.

 

“A curadoria escolheu não calar essas vozes dos atores que fariam o ‘Exhibit B’. E foi incrível. Conseguimos esse diálogo entre o espetáculo do Neo Muyanga e esse protesto. É isso”, afirmou”. Engraçado e cômodo. Analisemos a benfeitoria no melhor estilo principal Isabel: “o evento escolheu dar apoio à ação, que foi incorporada à programação do festival, que deu condições técnicas para que ele ocorresse”.

 

Grande ação não, do evento?!

 

Ceder o puxadinho, o corredor do fim de uma apresentação alheia para que artistas negros nacionais se colocassem sobre o racismo institucionalizado que nos mata nas ruas e nos palcos do Brasil, sobretudo, da cidade de São Paulo.

 

Pois é, uma Mostra Internacional que se propõe a pensar as relações raciais no mundo não contém em sua programação um grupo brasileiro que se dedica política e esteticamente acerca desses conteúdos.

 

Só eu senti-sinto a ausência de grupos que tem esse alicerce de pesquisa poética continuada na programação desta Mostra?

 

Poderíamos ter, para citar apenas os mais óbvios devido a quase completa invisibilidade e invisibilização imposta pelos curadores e críticos (com algumas raras e competentes exceções) desse tipo de evento: Bando de Teatro Olodum-BA, grupo com mais de 20 anos de investigação; Cia dos Comuns – RJ, 15 anos; Caixa Preta – RS, 14 anos; Cia Os Crespos – SP, 11 anos, tem também artistas como Maurício Tizumba e Alexandre De Sena – MG.

 

Aí alguns dirão: “Olha, o grupo do Zé Fernando, diretor negro, está na programação”. Sim, está e é uma produção que trata pontualmente de uma questão que envolve os negros. Não é uma pesquisa de um grupo que vem se dedicando a isso por anos… É bem diferente, entende?! É a necessidade épica de dar conta dos assuntos políticos do momento.

 

 

Por que será?!

 

Esses grupos de pesquisa poética continuada mencionados acima não possuem nenhum trabalho inédito que poderia ser feito na Mostra? Não poderiam ter sido convidados a produzir algo?
Os próprios artistas negros que performaram não podiam ter produzido algo e de fato integrado a programação oficial da Mostra?

 

Enfim, mas, que bom que a Mostra cedeu espaço e condições materiais para que a performance autorizada pudesse ocorrer, por alguns minutos, ao final da apresentação da programação oficial da Mostra Internacional de SP.

 

Estamos avançando, estamos presentes, porque nos autorizaram e nos apoiaram, no corredor do fim de uma apresentação alheia. Com mais alguns passos e alguns cem anos, quem sabe chegaremos ao palco principal. Será que nos autorizarão e nos cederão apoio técnico? E um cachê? E fazer parte da curadoria, ao menos, quando formos nós e nossas histórias o tema? Será mesmo que continuarão nos colocando como coro-negro da nossa própria história enquanto corifeus-brancos pisam nos palcos limpos por mãos femininas e negras?

 

E cachê, quando teremos?

 

Calma, aí já é pedir muito.

 

Cachê é privilégio, e privilégio nesse país, nas ruas e/ou nos palcos, é algo quase intocável… Precisam primeiro nos autorizar e nos apoiar.

 

OBS: Não sou, de forma alguma, e espero que isso esteja claro, sem nenhum trocadilho, contra a Mostra. Penso que já havia passado da hora da cidade ter algo desse porte. Só precisamos rever de fato, nossos mecanismos de legitimação e visibilização das investigações nacionais que debruçam-se sore a questão racial. E disso isso em legítima defesa…

 

 

 

 

 

 

Je Oliveira

JÉ OLIVEIRA é ator, dramaturgo e diretor, membro fundado do Coletivo Negro – grupo que desenvolve pesquisa cênico-poético-racial desde 2008 na cidade de São Paulo. Está graduando-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo-USP.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.