dezembro de 2010
A ARTE HÍBRIDA DAS CAPULANAS CIA DE ARTE NEGRA
Elizandra Souza
fotos Cassimano
Quatro mulheres negras, quatro histórias em ebulição, quatro corpos desenhando-se no mesmo palco: poesias, músicas, gestos, inquietações e danças. Esta é a Capulanas Cia de Arte Negra, grupo “paulistafricano” formada pelas atrizes Adriana Paixão, Débora Marçal, Flávia Rosa e Priscila Preta, que se trançaram em 2007, durante o curso de Comunicação das Artes do Corpo, na PUC/SP.
“(Na universidade) existia uma forte segregação, éramos poucos alunos negros e como tínhamos sonhos e questões em comuns dentro do nosso individual, fomos criando uma familiaridade e uma articulação política dentro do curso”, relembra Adriana.
Com o propósito central de dialogar com a sociedade sobre as descobertas, anseios e percepções da mulher negra, fortificando seus reais valores perante estereótipos enraizados na cultura nacional que subestimam o papel da mulher negra na sociedade, em novembro de 2007, durante a Semana de Arte Moderna da Periferia, organizada pela Cooperifa, o grupo fez sua estréia nos palcos.
O nome Capulanas faz referência a um pano tradicionalmente usado pelas mulheres africanas para cingir o corpo, fazendo às vezes de saia, podendo ainda cobrir o tronco, a cabeça e que leva o nome de Capulana. De origem tsonga (povo africano de maior população na região sul de Moçambique), seu uso aparece no continente africano inteiro. “Vimos o desenho na capa do livro Punga, e tinha uma questão muito forte de uma mulher com uma arma na mão e um filho nas costas. Essa questão da maternidade e da independência. Como ser mãe e ao mesmo tempo ser independente? Observamos que as Capulanas tem um significado muito importante na vida das mulheres. Uma mulher na sua fase anciã, por exemplo, tem um baú de capulanas e a história da família é contada por meio destes tecidos”, explica Priscila.
Por que uma Cia majoritariamente de mulheres negras?
“Dentro da sociedade que vivemos a mulher negra está no final da pirâmide social. Essa é nossa inquietação. Então resolvemos dialogar com a sociedade sobre o assunto por meio da nossa arte”, argumenta Flávia.
Além disso, todos os grupos que as atrizes integraram anteriormente as Capulanas falavam de questões raciais na visão do Homem. “O que pensamos têm que sair das nossas bocas, do jeito que queremos. Zinho e Manuel (que também fazem parte da cia.) vem para contribuir e para tocar, mas a gente não quer escutar só o que eles (homens) tem para falar, porque todo mundo só os ouve”, comenta Débora.
Adriana acrescenta que “o trabalho do grupo também é voltado para que os homens repensem a Mulher na sociedade atual”.
Sobre a representação das mulheres negras no teatro brasileiro, Débora diz: “Existe. Na mesma condição da televisão e da mídia como todo. No papel de escrava, empregada, faxineira, sempre em papéis subservientes e submissos”. Opinião semelhante tem a atriz Flávia Rosa: “O trabalho de atrizes como Zezé Motta, Ruth de Souza entre outras são a prova que temos referências e não é de hoje. Mas elas já estão há quantos anos fazendo este trabalho e não são reconhecidas”,
Negras Poesias
Atualmente, a Capulanas está percorrendo diversos quintais das periferias de São Paulo com o espetáculo Solano Trindade e Suas Negras Poesias, do Projeto Pé no Quintal, contemplado pela edição do Programa de Fomento ao Teatro da Secretaria Municipal de Cultura. A ideia de levar a peça para o quintal está relacionada ao fato deste ser um espaço de convivência do público alvo do projeto, ou seja, moradores das periferias que pouquíssimo consomem cultura, incluindo teatro. O espetáculo, que também tem textos meus e das demais integrantes da Cia (que contribuem com suas vivências e narrativas traduzindo-as de forma poética), retrata a força da mulher negra por meio das poesias de Solano Trindade, buscando a ancestralidade nas manifestações populares de matriz afro brasileira. Por meio do elemento MC, igualmente dialoga com a cultura Hip Hop.
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PARA LER
Damas Negras: sucesso, lutas, discriminação (Zezé Motta, Ruth de Souza, Chica Xavier e Léa Garcia)
Autora: Sandra Almada
Editora: Mauad
1995
SAIBA +
ciacapulanas.blogspot.com