março de 2023

CARLOS NEGREIROS: OLHOS DE VER

Asfilofio de Oliveira Filho e Cely Leal

 

 

 

 

 

 

FOTOS fe pinheiro
// daniela dacorso

 

 

 

 

 

 

 

Músico, percussionista, cantor, ator, compositor e pesquisador, Carlos Negreiros (1942-2022) é uma grande referência para os estudiosos dos ritmos afro-brasileiros. Seu profundo conhecimento foi passaporte para ministrar palestras, oficinas e workshops no Brasil e em vários países, a exemplo dos desenvolvidos nos Centros Culturais das Universidades de Atlanta, Washington, Berlim e Paris. Especialista em ritmos brasileiros de origem africana, criou o conceito de Vozes Percussivas, facilitando o entendimento da polirritmia afro-brasileira. Conceito esse que foi aplicado no Quarteto Repercussão, na Orquestra de Tambores Robertinho Silva e em outros trabalhos do mesmo universo.

 

Nascido no subúrbio carioca, na Rua Ana Neri, 58, casa 8, bairro de Triagem, Negreiros sempre foi muito atento. Tinha “olhos de ver, vê e vê” e tudo que enxergou ao longo da vida transformou, magistralmente, em canções e poesias.

 

Não só isso. Prestava muita atenção aos sons e ruídos que ouvia. Morando próximo a uma estrada de ferro, onde passavam os trens conhecidos como Maria-Fumaça, que emitiam um som de apito, usou dessa memória ao criar uma música. Quando fez os exames para passar por uma cirurgia cardíaca, sua atenção durante os exames se voltaram para os batimentos do coração, resultando em canções cujos arranjos remetiam a esse som.

 

LINHAS: CENTRAL, AUXILIAR, LEOPOLDINA / ESCUTO NO AÇO DOS TRILHOS. / NO GROSSO DORMENTE DE MADEIRA, FIXADO / JÁ VEM. É O APITO DO TREM / CERTEZA QUE SE ARRASTANDO VAGAROSAMENTE VAI PASSAR / CARREGADO DE BOI, NO VAGÃO DO MATADOURO / E DE CARVÃO DE PEDRA PARA O FORNO DA USINA ALIMENTAR / VAI DEPRESSA MENINO! / PEGA A VARA DE BAMBÚ! / CATUCA O MONTE DE CIMA / E VÊ SE DERRUBA UMA PEDRA NO CHÃO / BATE E REBATE DE NOVO / QUEBRA BEM QUEBRADINHA / BOTA TUDO NUM BALAIO / E TRAZ PRÁ GENTE ACENDER O FOGO/ AQUECER BASTANTE A CHAPA / PREPARAR UM BOM TEMPERO / E COZINHAR O FEIJÃO / LÁ VEM O TREM APITANDO (Apito do Trem, Carlos Negreiros)

 

Foram muitos os poemas inspirados na sua infância e juventude, e tantos outros, ao longo da vida, sobre situações e assuntos dos mais diversificados: amor, meio-ambiente, desigualdade social, preconceito, racismo, intolerância religiosa, solidariedade, esperança, as belezas do Rio de Janeiro, a força dos Orixás…  Alguns ganharam melodia e viraram lindas canções. Mas todos levam a uma reflexão. 

 

 

 

Show de 80 anos da Orquestra Afro Brasileira e do percussionista Antônio Negreiros. Teatro Ipanema, Rio de Janeiro/RJ, 2022.

 

 

 

CHEGADA MOVIMENTADA

No ano em que Carlos Negreiros nasceu, 1942, o maestro Abigail Moura, mineiro da cidade de Patrocínio de Muriaé, já morava no Rio de Janeiro trabalhando como músico, tocando bateria e trombone, e nesse mesmo ano, inspirado pela voz da cantora Maria do Carmo, Abigail criou a Orquestra Afro-Brasileira.  Quis o destino que os dois se conhecessem 17 anos depois, se tornassem amigos. “Uma amizade profunda de muito respeito e aprendizado que durou de 1959 até 1970 quando o Mestre partiu para o Orun”, segundo Negreiros.

 

Aquele 14 de junho de 1942 foi um dia movimentado no lar dos Negreiros Ferreira. Dona Jurandyra sentiu os primeiros sinais de que estava próxima a hora da chegada de mais um bebê. Avisou ao seu marido, Seu Juvenal, que correu para buscar a parteira. O menino nasceu forte, saudável e recebeu o nome de Carlos Augusto Negreiros de Ferreira. Foi uma alegria e a família festejando. O casal já tinha um filho de 02 anos, Tulio Araripe de Negreiros Ferreira, e contava com o apoio da fiel escudeira Dona Maria, amiga de todas as horas.

 

Aos dois anos, órfão de pai, passou a ser cuidado pelas duas mulheres da casa. Betinho, como Carlos Negreiros era carinhosamente chamado, durante toda a vida fez questão de afirmar ter duas mães. Dona Maria “tinha o maior chamego e dispensava um tratamento especial”, conta Túlio, lembrando que “meu irmão era um menino muito carinhoso, amável e a todos cativava”. Características que o marcou por toda uma vida.  

 

 

FAMÍLIA MUSICAL 

Curioso é que embora a sua infância tenha sido num ambiente musical, ele só se interessou pela música, aos 16 anos, ao participar de aulas de canto clássico. Interesse que lhe arrebatou após conhecer o Maestro Abigail. Olha só: na sua casa era comum acontecerem saraus bastante concorridos pelos vizinhos. Sua mãe era violinista e as tias Nair, professora de piano, e Zélia, pandeirista, chegaram a criar, quando solteiras, o teatrinho musical que se apresentava na praça do bairro. Seu Juvenal tocava trombone e tuba nos cultos da Igreja. Negreiros assistia mas não interagia. Preferia ficar quieto escrevendo poesia.

 

“Curioso é que embora a sua infância tenha sido num ambiente musical, ele só se interessou pela música, aos 16 anos, ao participar de aulas de canto clássico. Interesse que lhe arrebatou após conhecer o Maestro Abigail”.

Quietude, outra forte característica. Na escola conversava com os colegas mas não participava muito de todas as brincadeiras. No jogo de pelada, por exemplo, não contavam com ele. Preferia soltar pipa e jogar bolas de gude. Uma infância com dificuldades financeiras. Dona Jurandyra, viúva, trabalhava muito para sustentar a família mas, em compensação, tinha muito amor, carinho, disciplina e exigência na educação. Ela dizia: “as pessoas têm obrigação de serem boas, generosas e solidárias. Têm que respeitar para serem respeitados. Ouviram bem?”

 

Já rapaz, vendo as dificuldades financeiras da família procurou um meio de ganhar dinheiro e conseguiu uma vaga na Light, mesmo período em que tomou conhecimento de que tinha aulas gratuitas num conservatório e resolveu participar. Em busca de um emprego melhor, prestou prova para o Ministério da Saúde, foi aprovado e logo fez especialização em operador técnico de raio X, função que continuou exercendo mesmo após seguir, profissionalmente, na música.

 

 

ENCONTRO COM O MAESTRO ABIGAIL CECILIO DE MOURA

A trajetória artística começou com grandiosidade junto ao Maestro Abigail Moura. Tudo que aprendeu com o Maestro em relação à música, à negritude e à religiosidade, ele foi aperfeiçoando através do estudo e um profundo trabalho de pesquisa. “Conheci a força do tambor e da percussão em geral, descobri que era negro, fui apresentado ao candomblé através do Maestro Abigail. Nossa relação de amizade era de muito respeito e confiança. Eu o acompanhava em todos os lugares, ele me mostrava as suas composições e me autorizava a dar palpites e várias vezes os aceitava. Me adotou como filho e eu o aceitei como pai”, dizia emocionado.

 

 

 

“Conheci a força do tambor e da percussão em geral, descobri que era negro, fui apresentado ao candomblé… tudo através do Maestro Abigail”. 

 

 

 

“Em 1961, um vizinho sargento músico, que estudava na Escola Nacional de Música, atual Escola de Música da UFRJ, que me conhecia cantando serestas no bairro de Pilares, fez o convite para eu participar do Coral do DCE da Escola. Eu já conhecia a teoria básica e leitura musical. Por coincidência, quando estava fazendo o teste para inclusão no referido Coral, a Professora Nair Geolás, titular da cadeira de canto, ouviu e se interessou pela qualidade vocal que classificou como um raro e brilhante barítono, com timbre semelhante aos encontrados na região dos Montes Urais, na União Soviética. 

 

Ofereceu-se para me preparar com aulas de técnica vocal em momentos que eu pudesse dispor, na escola ou em sua residência.  Me forneceu gratuitamente o material necessário e posteriormente me encaminhou para o Conservatório de música para aprender técnica de interpretação e ter contato com outros professores. Passei a ser solista nas apresentações da sua turma. O objetivo era me preparar para prestar concurso, integrar o coro do Municipal e posteriormente tentar carreira solo como cantor lírico.

 

“Aproveitei todos os momentos disponíveis para captar a sabedoria que emanava do Maestro. Compreendi a importância da sacralidade do tambor negro e também a ancestralidade e seu DNA na música brasileira”.

 

No quadro de avisos da escola estava a convocação de baixos para um teste visando a participação na Ópera Negra, “Revoada Sinistra”, criada pelo Maestro Abigail Moura. Os candidatos deveriam comparecer na Rádio MEC. O Maestro ensaiava a Orquestra na sala em que trabalhava como copista e onde havia um piano. Para ensaiar, colocava cadeiras, estantes e distribuía as partes. Terminado o ensaio, tudo era retirado e a sala voltava a ser o ambiente do seu trabalho.

 

Quando me apresentei, cantei com voz empostada, uma parte de música sacra em latim “Benedicta tu mulieribus et benedictus frutus ventris tui Iesus…” O Maestro dirigindo-se a mim disse: O Senhor é barítono e preciso de baixo. Então eu falei: Estou encantado com o que vi e ouvi. Faço qualquer coisa para participar dessa Orquestra. Disse o Maestro: O senhor tem que tirar o cristal da voz e também essa impostação. Terá que estudar e ouvir por um bom tempo somente minha música. Montar a sala para ensaio e ajudar a carregar os instrumentos.

 

Informei à minha professora que lamentou, porém me indicou um professor com técnica grega para cantar guturalmente. Perdi a branquitude, mantendo a fisiologia para emitir o som do canto o mais perfeito possível. Aproveitei todos os momentos disponíveis para captar a sabedoria que emanava do Maestro. Compreendi a importância da sacralidade do tambor negro e também a ancestralidade e seu DNA na música brasileira. Em minhas composições que integram a nova Orquestra, sigo os ensinamentos do meu Mestre ampliados com a rica diversidade da pretitude do tambor brasileiro”, Carlos Negreiros (Junho de 2022).

 

 

 

Negreiros é citado por Nei Lopes, como referência na sistematização da Percussão Afro-Brasileira, em sua Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana.

 

 

 

CAMINHADA ARTÍSTICA 

Com tudo isso, era de se esperar que a trajetória de Negreiros fosse brilhante. Foi diretor musical, cantor e ator do Grupo de Dança e Teatro Olorum Baba Mi, criado e dirigido pela coreógrafa e bailarina Isaura de Assis; e diretor cultural do Afoxé Filhos de Ghandi, do Rio de Janeiro. Paralelamente fez espetáculos em várias cidades do país e no exterior.

 

Excursionou com o Quarteto de Percussão Baticum juntamente com o Quarteto de Sopros FunHornes, da Alemanha, com quem gravou dois CDs, participou em festivais de jazz em Berlim, Viena, Praga, Leipzig, Weimar, Halle e Frankfurt, apresentando-se, ainda, em grande parte da Alemanha e países próximos.

 

Um dos momentos mais marcantes em sua trajetória foi quando se apresentou na abertura do show Missa dos Povos Negros das Américas, ao lado de Milton Nascimento, em Santiago de Compostela, na Espanha, em 1992, e em diversas capitais do Brasil, como cantor, percussionista, compositor e ator, interpretando a música Oni Saruê, de sua autoria.  

 

Também com Milton Nascimento, participou na Missa dos Quilombos, da versão teatralizada, em Portugal e no Armazém da Utopia, na Região do Porto do Rio de Janeiro. Inclusive a sua foto está publicada no livro editado em comemoração aos dez anos de atividades da Companhia.

 

Com o seu conhecimento dos ritmos afro-brasileiros, ministrou aulas de percussão no Centro Cultural da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde criou e dirigiu a Orquestra de Tambores. Participou como professor de Percussão Popular, da 22ª Edição do Encontro Internacional da Escola de Música de Brasília. Realizou workshop de percussão brasileira na França, Alemanha e Suécia. Nas universidades de Atlanta e Washington, deu palestras sobre ritmos brasileiros.

 

 

 

Apresentação da Orquestra Afro-Brasileira em comemoração aos seus 80 anos de existência. Evento realizado no dia 14 junho de 2022, no Teatro Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro.

 

 

 

Esteve em turnê pelo SESC, em várias cidades do Brasil, integrando o Grupo Internacional de Percussão Jambar como arranjador, percussionista e cantor. Participou, como Consultor Musical, do Projeto A Cor da Cultura, desenvolvido pela Fundação Roberto Marinho/Canal Futura, onde orientou sobre ritmos, cânticos e instrumentos da tradição afro-brasileira.

 

Citado por Nei Lopes, como referência na sistematização da Percussão Afro-Brasileira, em sua Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, foi o responsável em iniciar a formação, em percussão brasileira, e a criação da Orquestra Robertinho Silva, para 80 jovens de comunidades, visando o desenvolvimento do Projeto Batucadas Brasileiras, vinculado à ONG Instituto Bandeira Branca. 

 

Participou da fundação e da diretoria da Grêmio Recreativo Escola de Samba Quilombo – GRANES/Quilombo. Foi diretor do Afoxé Filhos de Ghandi e da Escola de Samba Canarinhos de Laranjeiras.   

 

 

MUSA INSPIRADORA E GRANDE PAIXÃO!

Em todos os seus projetos e participações se entregava por inteiro, mergulhava fundo. Mas um, em especial, lhe tomou de assalto, um espetáculo dirigido pela bailarina e coreógrafa Isaura de Assis, diretora do Grupo Olorum Baba Mi, criado em outubro de 1974 com um grupo de artistas negros, juntamente com a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (SIMBA).

 

A preocupação principal era conceber espetáculos baseados na história e cultura negra que dignificasse e promovesse a autoestima para quem assistisse. Envolvia programa de treinamento e atualização em dança afro-moderna, dramatização, dança e cantos. Mas ia além do lúdico e da beleza estética porque  “isso só não me compensaria. Quero expressar na minha dança as injustiças e marginalização sofridas pelo meu povo e as esperanças que carregamos dentro da gente”, afirmava Isaura de Assis.

 

O grupo vinha pavimentando uma estrada promissora quando foi surpreendido com a saída do cantor. Negreiros soube do fato e foi procurar a diretora para mostrar o seu canto. Eis que Isaura já o tinha visto se apresentando em um show no Copacabana Palace, e ficou fascinada com a sua performance e comentou com a sua irmã, Ruth de Assis: “estou extasiada. Que voz maravilhosa, canta demais e, ainda, é muito bonito”.

 

De pronto foi aceito no grupo e não demorou para assumir a direção musical. Criaram vários espetáculos, sempre bem aceitos pelo público e pela imprensa, se apresentando em vários teatros do Brasil e em festivais. Finalzinho dos anos 70, Isaura dirigiu o espetáculo Procissão dos Miseráveis, escrito por Negreiros, que também compôs todas as músicas baseado em elementos da cultura negra e inspirado no poema Tem Gente Com Fome, de Solano Trindade. O espetáculo mostrado em dois atos, foi um grande sucesso. Ao final das apresentações era ovacionado e até hoje é referência para estudiosos e pesquisadores da cultura negra. 

 

Juntos realizaram trabalhos para crianças e jovens em comunidades que iam além da dança e da música. Havia na programação a preocupação de contar a história do povo negro, sua importância na construção do país, seu legado cultural e artístico, discutir sobre direitos e deveres, sobre a importância de se ter consciência política, enfim um amplo painel de ensinamentos.

 

A dupla Isaura/Negreiros teve tanta afinidade e empatia que acabou em casamento. Sim. Uma união que durou quase 50 anos. Uma relação de muito amor, admiração e respeito, como prova esse poema:

 

ISAURA DE ASSIS 
Carlos Negreiros
Canção em ¾ -Bravum
Projeto Educação p/ dança

 

Nos movimentos do corpo
Modernidade e o antigo se misturam, se fundem, tradição e ciência / Explorando os espaços / Com dança, despertando consciência e praticando resistência / Na lida do dia a dia / Por inteira se doou / Conseguindo o seu intento / Na certeza que educou / Isaura de Assis, Matriz / Dança sempre presente / Mulher de ação dedicada /Que transformou muita gente / Pregando sempre a igualdade / Sem racismo, intolerância / Trabalhou comunidades / Sua ferramenta a dança / Voz que vibra, fala, educa com suavidade / Reforçada no gesto, alicerçado na dança / Abrindo portas com passos / E vislumbrando o futuro / Ao puro olhar da criança

 

 

 

“Acompanhei a sua trajetória. Seu canto era amplo e avassalador”, Dom Filó.

 

 

 

O AMIGO, IRMÃO E COMPADRE

Em 1978, quando deixei a minha Salvador, na Bahia, para aportar na cidade do Rio de Janeiro, alguns meses depois, no Teatro Opinião, conheci o casal Isaura e Negreiros e, não demorou muito, fomos firmando uma amizade sacramentada no Natal. Isaura sabendo que eu não passaria as festas de final do ano com a minha família, me convidou para passarmos juntos com a família dela. Fiquei feliz com aquele convite e nos divertimos muito. A partir daquele dia viramos amigos/irmãos. 

 

Vivíamos os “anos de chumbo” e participávamos de reuniões políticas, das manifestações nas ruas, criávamos os nossos próprios cartazes e panfletos. Esse casal me apresentou ao movimento negro do Rio, às quadras das escolas de samba, aos blocos carnavalescos e aos candomblés, redutos que eu frequentava em Salvador. Sentia muita falta dos terreiros de Olga do Alaketu, Mãe Menininha, Stela de Oxóssi que participava junto com meu pai e preenchi essa lacuna ao conhecer Pai Nino, Mãe Vivi, Mãe Beata.

 

O nosso primeiro envolvimento profissional aconteceu quando assumi a assessoria de imprensa do espetáculo Procissão dos Miseráveis, criado e dirigido por Isaura, um enorme sucesso. Estreitamos ainda mais a amizade. Dormíamos um na casa do outro, juntos resolvíamos as nossas questões e nos divertíamos muito. Na alegria e na dor, ninguém largava a mão de ninguém. Quando tive o meu filho Tiago, nos tornamos compadres e mais aliados ainda.

 

Feliz! Um privilégio ter convivido com o amigo/irmão/compadre generoso, criativo, divertido e de talento imensurável. Foi um grande aprendizado e sinto-me abençoada. Sua súbita partida ao mundo astral causou enorme comoção. Foram inúmeras manifestações de sentimentos a exemplo do Presidente Lula, de músicos, cantores, atores, diretores, movimentos negros, dentre outros. Sei que ele está bem no Òrun, é um brilhante e fundamental ancestral, mas dói muito a sua ausência. Saudade. CARLOS NEGREIROS, PRESENTE!

Cély Leal – Jornalista, professora, diretora e produtora artística 

 

 

ADMIRAÇÃO POR NEGREIROS

A consciência negra despertou com maior intensidade entre os jovens afro-brasileiros a partir dos anos 70, influência do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, no final dos anos 60, tendo à frente lideranças como Martin Luther King, Malcolm X, Angela Davis entre outros que lutavam pelos seus direitos após o período escravocrata 

 

Na cidade do Rio de Janeiro o Renascença Clube, fundado por negros das mais diversas profissões, era o palco das transformações sociais da comunidade negra e contribuiu para que a década de 70 fosse imensamente frutífera no âmbito cultural, em especial para a nossa comunidade que tinha no Movimento Negro as suas esperanças na luta contra o mito da democracia racial.  

 

O Renascença foi o celeiro de várias manifestações culturais reunindo jovens talentos negros e negras de várias partes da cidade. Lá estivemos à frente do Departamento Cultural criando atividades como as Noites do Shaft, berço do Movimento Black Rio e da Companhia Teatral sob o comando do renomado ator e diretor Haroldo de Oliveira, o responsável em colocar em cena nosso querido Carlos Negreiros.

 

 

 

Dom Filó, Carlos Negreiros e Cély Leal, nos bastidores do show de 80 anos da Orquestra Afro Brasileira e do percussionista Antônio Negreiros. Teatro Ipanema, Rio de Janeiro/RJ (2022).

 

 

 

Em 1973 foi realizado a céu aberto o espetáculo teatral Orfeu Negro. O sucesso foi enorme e uma segunda versão estreou no Teatro Tereza Rachel em grande estilo, com produção musical de Paulo Moura e participações de músicos consagrados como Raul Mascarenhas, Mauro Senise e Ruy Quaresma.  O espetáculo contou com a produção da dupla Jorge Coutinho e Leonides Bayer.  

 

Um dos convidados por Haroldo de Oliveira foi o cantor, compositor, músico e produtor Carlos Negreiros, dono de uma voz potente que rapidamente conquistou a simpatia de todos.  Acompanhei a sua trajetória. Seu canto era amplo e avassalador à frente do Grupo Olorum Baba Mi, onde compôs a maioria das músicas dos diversos espetáculos. 

 

Todos estes anos passei a admirar o artista Carlos Negreiros que nos deixou recentemente.  Atendendo ao convite da nossa querida irmã, jornalista e produtora Cely Leal, coube a mim a responsabilidade de registrar em vídeo o último show da Orquestra Afro-Brasileira em junho de 2022, quando comemoramos os 80 anos de existência da orquestra no Teatro Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. Neste mesmo dia, foi celebrado o aniversário de 80 anos de Carlos Negreiros, último músico remanescente da formação original da orquestra, fundada em 1942.

Carlos Negreiros, Presente!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Asfilofio de Oliveira Filho e Cely Leal

ASFILÓFIO DE OLIVEIRA FILHO, mais conhecido como Dom Filó, é Dj, engenheiro civil, jornalista, produtor cultural, cine-documentarista, ativista do Movimento Negro e cofundador do acervo Cultne. //// CÉLY LEAL é Jornalista, professora, diretora e produtora artística.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.