novembro de 2014
BRUNA BATTYS: ESTÉTICAS NEGRAS NA MODA BRASILEIRA E O ENFRENTAMENTO AO NEOCOLONIALISMO
Redação
fotos MANDELACREW
O que pode ser a moda para além dos circuitos legitimados de poder? Quando as inventividades das culturas de matrizes negras serão empunhadas pelos seus protagonistas e deixarão de ser objeto em mãos oportunistas que, por ignorarem a engrenagem histórica e social, percebem-se bem intencionadas? O que significa criar com perspectivas afrocentradas quando o consumo e as referências são ditadas por um mercado que normatiza a estética? Conversamos com três estilistas e consultoras de moda negras e de diferentes gerações para conhecermos suas escolhas, parâmetros e intenções.
Formada em Criação de Moda pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Bruna Battys fundou a grife que leva o seu nome em 2009, “com a pretensão de criar peças com formas, tecidos, modelagens, cores e estampas diferenciadas, trabalhando com as últimas tendências da moda e criando conceitos a cada coleção desenvolvida”.
O MENELICK 2º ATO – Quais são os maiores desafios enquanto mulher, negra e criadora/ empreendedora?
BRUNA BATTYS: O desafio maior é viver em um país racista, pois dependendo do público que você quer atingir, muitos não entendem, não aceitam suas criações e produtos. Infelizmente não temos no Brasil um espaço adequado para a moda afro-brasileira, enquanto a moda dita brasileira vem crescendo gradativamente.
OM2ºATO – Você acredita que haja uma estética na moda, estilo e maquiagem que possa ser chamada de negra ou afro-brasileira e que não recai em estereótipos, ou seja, a maneira como esperam que nós negros nos vistamos e que possa ser aplicada/ usada no cotidiano para o trabalho, uma festa simples, etc? Um exemplo de composição/ roupas e acessórios possíveis.
BB: Eu acredito que não existe nomenclatura, toda a forma na qual nos vestimos, nos maquiamos, o estilo que usamos para o nosso cabelo, é cultural, natural…A forma no qual nos vestimos para a sociedade, festa, trabalho etc… são frutos de nossas raízes. Um look que transparece a moda afro brasileira está nos pequenos detalhes, como tecidos, estampas, cores e formas.
OM2ºATO – Quais são as referências criativas que você se inspira ao montar um visual, uma vestimenta? Quais estilistas, artistas, paisagens, lugares, livros e pensamentos te influenciam no momento criativo?
BB: Ao iniciar um trabalho, seja desenvolver novas coleções ou produzir meus clientes, busco me inspirar com a história do tema estabelecido, a partir deste principio vou atrás de referências, lugares como o Museu Afro Brasil, desfiles, vou ver a produção de estilistas como Goya Lopes, Mônica Anjos, Oswald Boateng e Stella Jean, ler livros sobre a história da moda, das tecelagens, das composições, revistas sobre tendências e, principalmente, a música, que me inspira diariamente.
OM2ºATO – Na indústria global de consumo, com todas as suas exclusividades e acessos restritos para produzir e consumir, qual o lugar das estéticas negras? Entendendo o conceito de estética não só como plástica, mas como forma de estar no mundo.
BB: Ainda não há um lugar digno do que nós merecemos e não é só a questão de produção, trabalho, talento de cada profissional, mas, sim, de um resultado positivo da mídia, uma aceitação, uma promoção da moda afro-brasileira e o resultado positivo de vendas.
Existe muita dificuldade, mas existe uma grande possibilidade que é através da economia criativa. Existe por aí muitos talentos isolados; Mas eu acredito que se nós nos mobilizarmos e criarmos estratégias, este quadro mude.
OM2ºATO – Em seu processo criativo você utiliza diretamente algum elemento oriundo da cultura diaspórica ou indígena? (Exemplos: palha da costa, wax, missanga). Você propõe alguma reinvenção, atualização?
BB: Em minhas criações utilizo tecidos africanos em acessórios e roupas, a união de tecidos como jeans, seda, paetê, viscose e malharia com estampas valorizando a nossa cultura.
OM2ºATO – É possível realizar uma anti-moda? Formas de vestir e se expressar que não estejam amarradas por tendências ditadas pelo mercado? Com tamanhos, modelagens, cores libertas assim como um conteúdo que expresse de fato a identidade de quem veste?
BB: Com certeza, hoje em dia você não precisa ser um profissional da área para executar de fato suas criações. Basta ser natural, amar suas raízes, ser antenado, que automaticamente o diferencial transmite em suas vestimentas e adornos.
OM2ºATO – Como homens e mulheres negros podem valorizar seus atributos naturais e culturais sem a partir do uso de roupas e acessórios?
BB: Através de estudos, frequentando lugares que agregam, como teatros, museus, eventos culturais, e comportamentos que refletem realmente quem somos nós,cultivando nossas raízes e valores.