janeiro de 2013
LIZETTE NEGREIROS
Sidney Santiago Kuanza
fotos MANDELACREW
Imagine aquela paisagem idílica dos anos 50, o Morro, a feijoada, a alegria e no rádio Noel Rosa, Elizeth Cardoso e Pixinguinha… Foi neste cenário que em 4 de dezembro de 1940 nasceu a atriz Lizette Negreiros, diva negra do Teatro Paulista. Fruto da união entre um ferroviário e uma doméstica, sua ancestralidade é marcada por misturas: de um lado a avó alemã, que fugiu da Europa para casar-se com um violonista negro e alto, do tipo canela fina. Do outro, o avô de origem sírio-libanesa amalgamado com uma linda cabocla, que enlouqueceu e morreu de tristeza.
Primogênita de cinco filhos, Lizette é natural da cidade de Santos, litoral do estado de São Paulo. Mas, como costuma dizer, não é filha da praia e sim do morro, ou melhor, do alto do Morro São Bento. Foi através dos Toques (nome com que era batizado os antigos saraus promovidos por sua família) e pelo rádio de uma vizinha, onde ouvia atenta os programas de “radio- teatro” da época, que ainda criança passou a nutrir gosto pela arte.
Por motivos financeiros, e desde cedo assumindo as tarefas de cuidar dos irmãos e do lar, não pôde dar sequência a vida escolar, tendo estudado até o quinto ano. Nas horas vagas, graças ao gosto pela leitura, devorava todos os jornais que vinham da ferrovia, os livros da mãe e as inesquecíveis histórias de M.Delly – pseudônimo de um casal de irmãos franceses que utilizavam este nome em muitos dos textos editados pela famosa Biblioteca das Moças (coleção de romances publicada pela Companhia Editora Nacional, no Brasil, entre 1920 e 1960, especializada em literatura para jovens mulheres).
Aos 15 anos transferiu-se para São Vicente e, a partir de então sua vida mudou completamente. Participou de programas de radio como caloura e foi membro de todos os grupos de teatro amador e profissional de Santos, entre eles: Grupo Persan, Grupo Tevec e Grupo Real Centro português.
Somente em 1969 veio para São Paulo para integrar a Cia. de Teatro Paulo Autran. E com a peça “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, fez sua passagem de atriz amadora para profissional. Entre as dezenas de encenações protagonizadas em palcos paulistanos, destaque para os espetáculos “Barco Sem Pescador” (1965), “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá” (1983), “Antes de Ir ao Baile” (1986) e “Guaiú, A Ópera das Formigas” (1989).
Além das mais de quatro décadas dedicadas aos palcos, Lizette também emprestou seu carisma, delicadeza e ímpeto dramático ao teatro televisão e ao Cinema, onde participou de filmes como “Eles Não Usam Black-Tie” (1981), “O Baiano Fantasma” (1984), “Vera” e “A hora da Estrela” (1985), de Suzana Amaral (todos longas-metragens importantes na filmografia brasileira), “André Louco (1990). Na televisão atuou na TV Tupi, Rede Record e Bandeirantes, onde participou de tele-teatros, minisséries e novelas inesquecíveis, como “Alma de Pedra” (1998), “Moinhos de Vento” (1983), “Os Imigrantes” (1981), “Papai Coração” (1976), “Canção para Isabel” (1979), sempre imprimindo talento e soberania diante de todo o racismo, indiferença e invisibilidade legado aos atores negros.
Em 1979 encantou o Brasil na novela “Como salvar meu casamento”, quando interpretou Zita (empregada irreverente que dava conselhos a família branca), este trabalho teve tanto impacto que pode ser visto no filme “A Negação do Brasil” (2001), de Joel Zito Araújo.
No anos 80, com uma carreira já consolidada, prêmio e notoriedade, os convites desapareceram. Diante do quadro de total exclusão dos negros no audiovisual ou de uma participação sempre episódica, somando-se as péssimas condições de trabalho que eram destinadas aos artistas pretos/as, Lizette fez um escolha, não fazer televisão e cinema por uma questão de sobrevivência moral e assim resolveu dedicar-se ao teatro, especialmente infanto-juvenil, e ao serviço público. Tornou-se, então, curadora do Teatro Infantil do Centro Cultural São Paulo (CCSP). E uma década depois colheu os frutos desta decisão. Assim, nos anos 90, tornou-se uma das atrizes mais laureadas do Estado de São Paulo, recebendo prêmios como Coca-Cola, APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), APETESP (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo) e mambembe fazem parte de seu currículo.
Com simplicidade, descrição e fala mansa, Lizette Negreiros, hoje aos 72 anos, respeitada como uma das grandes conhecedoras do teatro infantil de São Paulo, toca sua vida dividida entre a curadoria de teatro do CCSP e a pesquisa estética do Grupo Ventoforte, companhia paulistana de teatro com a qual encenou nos anos de 2006 e 2007o espetáculo infantil “A Centopeia e o Cavaleiro”, que se apresentou no Brasil e em mais onze países.